22 de Novembro de 2024
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Ultraprocessados são fonte de proteína na alimentação de vegetarianos estritos

Foto: Helena Pontes/Agência IBGE Notícias
Postado em: 03/09/2024

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Texto: Gabrielle Mello

 

O veganismo é um estilo de vida em que a pessoa não consome nenhum produto de origem animal, inclusive roupas e produtos de beleza testados em animais, por exemplo. Quando se fala exclusivamente de alimentação, a dieta recebe o nome de vegetarianismo estrito. Nesses casos, existe uma grande preocupação em relação à quantidade de proteína ingerida. A pesquisa conduzida pelo Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), coordenada pelo professor Hamilton Roschel, mostrou que a quantidade de proteína consumida por vegetarianos estritos é adequada, mas se apoia no consumo de alimentos ultraprocessados.

 

Entre os mais de 500 participantes do estudo, a mediana do consumo de proteína foi de 1,12 gramas por quilo de peso corporal, valor que atinge e supera a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 0,8 a 1,0 grama de proteína por quilo de peso corporal. No entanto, para atingir a recomendação de ingestão proteica, os vegetarianos estritos recorrem a alimentos ultraprocessados, em particular, à proteína texturizada de soja – que passa por uma etapa chamada extrusão, por isso é considerada ultraprocessada – e aos suplementos proteicos à base de proteína vegetal.

 

A pesquisa também analisou se vegetarianos estritos ingerem quantidades adequadas de aminoácidos essenciais – moléculas que formam as proteínas, mas que não são produzidas pelo corpo e têm funções específicas no metabolismo. Assim como no caso das proteínas, a adequação foi superior a 90%.

 

As dietas dos participantes foram analisadas com base em diários alimentares. Enquanto o recordatório alimentar é preenchido por um nutricionista, como uma entrevista, o diário é preenchido individualmente com relatos das refeições em medidas caseiras, mas também passa pela conferência de um nutricionista. Os participantes tiveram acesso a instruções para registrarem os alimentos de forma padronizada. O trabalho contou com pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, e da FMUSP.

 

Nível de processamento na dieta vegetariana estrita

 

Mesmo dependendo do consumo de ultraprocessados para atingir a quantidade adequada de proteína ingerida, 66% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vêm de alimentos in natura, alimentos que não sofrem alteração para serem consumidos, e minimamente processados – que passaram apenas por processos que não envolvem adição de sal, gordura, açúcar ou outras substâncias.

 

A porcentagem de calorias vindas de ultraprocessados na dieta dos participantes do estudo é de 13%. “Esses indivíduos comem menos ultraprocessados e consequentemente mais alimentos in natura e minimamente processados que a população em geral. Então, esse é um achado interessante, porque mostra que as premissas de uma boa dieta à base de plantas estão sendo seguidas”, diz Roschel.

 

Em comparação com os dados encontrados para a população geral no Brasil, os vegetarianos estritos têm 22% a mais de calorias da dieta vindas de alimentos in natura, e 10% a menos vindos de ultraprocessados.

 

Além disso, apesar de alimentos como a proteína texturizada de soja serem classificados como ultraprocessados, devido aos processos a que são submetidos e suas composições, alguns pesquisadores afirmam que eles se diferem dos ultraprocessados conhecidos pelos malefícios à saúde, já que não têm adição de sal, açúcar e gordura. “Apesar de se enquadrarem na mesma categoria, em termos de qualidade nutricional, é razoável assumir que uma proteína texturizada de soja não pode ser comparada a um pacote de salgadinho, por exemplo. Mesmo dentro da classificação de ultraprocessados, há nuances que precisam ser consideradas”, pondera o docente. A ideia não é consenso entre os cientistas, e já foi objeto de debate.

 

Roschel lembra que os resultados encontrados no trabalho em momento nenhum vão contra a classificação Nova – que divide os alimentos em in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. “A Nova é absolutamente fantástica em termos de saúde pública”, ressalta o pesquisador. Ele acredita porém, que existem nuances dentro da classificação que merecem consideração.

 

Aumento da variedade de ultraprocessados

 

O mercado de ultraprocessados cresce em variedade, e os alimentos voltados ao vegetarianismo estrito não são exceção, relata Roschel. Mas, ao contrário da proteína texturizada de soja e do suplemento proteico, boa parte desses alimentos que têm ganho espaço nos mercados são ricos em açúcar, gorduras saturadas e sal, ao mesmo tempo que são baixos em fibras. Ou seja, são alimentos que trazem prejuízo à saúde.

 

Na França, de acordo com uma pesquisa realizada em 2021, 39% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vinham de alimentos ultraprocessados com baixa qualidade nutricional. “Esse [aumento do consumo de ultraprocessados] é o medo. Para eles [indústria alimentícia] começarem a fazer opções veganas para atender esse público com a mesma baixíssima qualidade nutricional, basta que enxerguem isso como um mercado interessante”, relata Roschel sobre as perspectivas no Brasil.

 

Para o pesquisador, o resultado do trabalho mostra a importância de uma análise de contexto. “É um alerta de que a gente precisa de uma melhor educação nutricional do indivíduo que adere a uma dieta plant-based [baseada em plantas, vegetariana estrita]. É também um alerta para políticas públicas de regulação do mercado e para a indústria, que precisa entender a sua responsabilidade na elaboração de alimentos de melhor qualidade nutricional”, finaliza.

 

Participaram do estudo os pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição da EEFE/FMUSP e do Centro de Medicina do Estilo de Vida da FMUSP: Alice Erwig Leitão, Gabriel Esteves, Bruna Mazzolani, Fabiana Smaira, Martin Santini, Heloísa Santo André, Bruno Gualano e Hamilton Roschel.

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