Erick Rodrigues
Apesar de já ter sido feito em outras obras, é difícil encontrar quem consiga fazer humor com temas profundamente sérios, como o nazismo e a Segunda Guerra Mundial. Agora, o diretor e roteirista Taika Waititi provou que, mesmo parecendo uma tarefa impossível, ela pode ser atingida com inteligência e servir como uma crítica pertinente, ainda mais em um mundo como o atual, onde podemos observar repulsivas manifestações de violência e preconceito.
Em "Jojo Rabbit", filme vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado, Waititi retrata o nazismo, mas escolhe fazer isso a partir de um tom de farsa, colocando a ideologia de extrema-direita quase que deslocada em um outro mundo com características mais absurdas e até lúdicas. O diretor e roteirista faz isso de propósito: tira o tema do contexto real para poder expor, com humor, o absurdo dessas ideias.
A história começa apresentando Jojo (Roman Griffin Davis), um garoto de 10 anos fanático pelo nazismo e por Adolf Hitler, tanto que tem a figura do Führer como um amigo imaginário. A criança não parece ter a menor noção da gravidade das ideias nacionalistas e racistas propagadas na Alemanha daquele período, mas repete esses conceitos aos quatro ventos. O ápice da felicidade do menino, por exemplo, é a ida para um fim de semana de treinamento nazista, onde aprende a queimar livros e a manusear equipamentos de guerra.
Um pequeno acidente, no entanto, tira Jojo dessa preparação e o leva de volta para casa, aos cuidados da mãe, Rosie (Scarlett Johansson). Enquanto se recupera, o garoto se divide entre o repouso em casa e algumas ações para contribuir com a propaganda nazista, como colar cartazes de apoio a Hitler. Em uma das oportunidades em que está sozinho em casa, o menino descobre que a mãe esconde Elsa (Thomasin McKenzie), uma judia que conseguiu escapar dos campos de concentração e se perdeu da família.
O encontro com aquela jovem mexe com a cabecinha fanática de Jojo, que até sinaliza a intenção de entregá-la ao regime, mas pondera os efeitos que essa atitude pode ter para a mãe dele. Mesmo aconselhado pelo Hitler imaginário (Waititi, acumulando mais uma função) a manter distância da garota judia, o protagonista sente um certo fascínio por aquela descoberta e, aos poucos, vai construindo uma relação com aquela "ameaça".
O roteiro de "Jojo Rabbit" tem a inteligência de retirar a trama de um contexto histórico pesado e levá-la para um universo farsesco, onde personagens excêntricos e situações ridículas são usados na construção de um humor que, além de carregar uma crítica, também expõe o absurdo das ideias difundidas pelo nazismo. Isso fica muito claro em piadas que questionam os valores da guerra e as besteiras propagadas para tentar provar uma injustificável "superioridade de raça".
Também responsável pelo roteiro, Waititi demonstra segurança sobre a proposta e justifica o uso do humor para trazer à tona todas essas questões. Essa característica é fundamental para que o filme não soe desrespeitoso sobre o tema. Além de competência, é impossível não reconhecer que também é preciso coragem para sustentar uma empreitada como essa.
"Jojo Rabbit" apresenta, ainda, momentos emocionantes, sempre pontuados por alguma doçura. O desfecho da mãe do protagonista, por exemplo, é de marejar os olhos, mas essa construção não é pesada ou destoante do clima imposto pela narrativa. Também vale destacar a beleza da relação criada entre Jojo e Elsa, focada especialmente na desconstrução da mentalidade limitada carregada pelo garoto.
Toda essa proposta é apoiada pela criação dos personagens. A estupidez da guerra e dos ideais nazistas é enfatizada pelo Hitler imaginário ou pelas figuras do Capitão K (Sam Rockwell, ótimo) e Fraulein Rahm (Rebel Wilson). A contraposição aparece nos tipos interpretados por Scarlett, Thomasin e Davis. E ainda há a ingenuidade do carismático Yorki (Archie Yates), de um timing cômico que conquista logo na primeira cena.
A partir de um tema extremamente sério, "Jojo Rabbit" consegue deslocar o nazismo do contexto histórico e usar o humor como um elemento crítico e revelador. As excentricidades dos personagens e as situações ridículas da história acabam evidenciando todo o absurdo dos ideais nazistas, usados com violência e autoritarismo para propagar segregação e racismo.
Mais do que só conquistar os espectadores que já abominam esses conceitos, Taika Waititi parece querer usar o tom da narrativa na esperança de que possíveis adeptos de algumas dessas ideias no presente tomem consciência sobre esses erros e, sentindo-se ridículos como os personagens nazistas, despertem de ilusões preconceituosas e de superioridade. É uma função nobre, ainda que difícil.
JOJO RABBIT
COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)