02 de Maio de 2024
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Mulheres sofrem abusos e são estigmatizadas ao buscar tratamento para o alcoolismo

Postado em: 19/04/2023

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Via Jornal da USP

Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Carolina Borin Garcia

Embora existam cerca de 120 grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) na cidade de São Paulo, apenas seis são direcionados exclusivamente a mulheres. Uma pesquisa etnográfica da USP mostra que o alcoolismo e o seu tratamento são fortemente influenciados por marcadores sociais de gênero. O estudo revela que ao buscar apoio em grupos mistos do AA, as mulheres se sentem pouco à vontade para falar de sua vivência com o consumo de bebidas e dificuldades para expor questões íntimas em ambientes frequentados por homens; declararam também serem vítimas de assédio sexual, preconceito, discriminação e sexismo.

 

Esses relatos – “dor da alma“, como disse uma delas – fazem parte da pesquisa feita com 30 mulheres com transtorno do uso do álcool e que buscaram apoio em uma reunião feminina de AA em um grupo da zona Norte de São Paulo. Os resultados do estudo foram publicados em artigo na revista Alcoholism Treatment Quarterly Journal, com autoria de dois professores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP: o antropólogo Edemilson de Campos, coordenador da pesquisa, e a professora Nádia Zanon, especialista em saúde da mulher.

 

“A experiência do alcoolismo é diferente para homens e mulheres e a forma de comunicar essa experiência também é distinta. Por terem demandas específicas, reconhecemos que há a necessidade de ampliação de espaços exclusivamente femininos, lugares elas possam ser mais bem acolhidas para partilha de suas vivências”, diz Campos ao Jornal da USP.

 

Os AAs são comunidades de caráter voluntário de pessoas que se reúnem periodicamente para tratar de questões relacionadas ao alcoolismo e para encontrar força e acolhimento uns nos outros. O objetivo principal é ajudar os alcoolistas a alcançarem a sobriedade. Foi fundada em 1935, em Ohio, EUA, e hoje se encontra espalhada por todo o mundo. No Brasil, o AA chegou em 1947 e possui 5.081 grupos mistos. Segundo o antropólogo, em um inventário feito recentemente pela organização, as mulheres representam apenas 13% dos participantes, o que, a seu ver, é um número que pode estar subnotificado em virtude do preconceito que elas sofrem por se encontrarem nessa condição. No Brasil, o alcoolismo, um problema considerado de saúde pública, atinge cerca de 2,3 milhões de pessoas, entre 12 e 65 anos, segundo pesquisa realizada pela Fiocruz em 2017, sendo que, considerando a totalidade da população da pesquisa, a dependência de álcool nos últimos 12 meses foi 0,7% só do sexo feminino.

 
 

Maria, Andreia, Elsa… quem eram elas?

 

A coleta de dados foi realizada por meio de observação participante em reuniões de AA feminino paulistano e entrevistas com 30 mulheres que participaram das reuniões, de forma que elas tivessem liberdade para responder o que quisessem. O perfil do grupo era variado: elas tinham idade entre 31 e 77 anos, sendo a maioria casadas (12) ou divorciadas (9). Em relação à escolaridade, 12 mulheres relataram ter ensino médio; 13, ensino superior completo; uma, ensino superior incompleto; três, pós-graduação; e uma, doutorado. A maioria trabalhava em serviço e/ou profissões de sua área de formação, e todas eram donas de casa. Algumas eram recém-chegadas ao grupo do AA, com um ou dois meses de abstinência de álcool, e outras com mais anos de grupo, com 31 e 38 anos de abstinência.

 

Analisando os dados, a professora Nádia Zanon lembra que algumas mulheres mostraram ter dificuldade em permanecer em programas mistos do AA devido à insegurança dos companheiros (marido ou namorado), uma vez que a presença majoritária de homens no grupo era vista como uma “ameaça” ao relacionamento.

 

‘’Ele me dizia que eu estava ficando muito chata e que preferia quando eu não participava das reuniões do AA porque fazia tudo que ele queria; contudo, sei que agora estou bem melhor”

“Depois de alguns anos, eu não me controlava mais, bebia demais, passava vergonha, fazia outros envergonhados também [. . .] Troquei de amigos, pois alguns não gostavam mais de conviver com o meu ‘jeito‘.”

Berenice, 44 anos, divorciada, 3 anos de AA

 

Os pesquisadores reconhecem que os Alcoólicos Anônimos (AA) são uma importante forma de apoio e tratamento para mulheres com transtorno alcoólico, embora elas ainda enfrentem problemas compartilhando sua intimidade em reuniões mistas. Os resultados da pesquisa mostram que é necessário ampliar espaços exclusivamente femininos de modo a atender com mais eficácia às demandas das mulheres, principalmente em questões em que o estigma de gênero é mais acentuado, como relacionamentos amorosos e sexuais, além das especificidades do uso indevido de álcool por mulheres.

 

A pesquisa contou com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O professor Edemilson de Campos é autor do livro Nosso Remédio É a Palavra: uma etnografia sobre o modelo terapêutico de Alcoólicos Anônimos.

 

*Os nomes descritos nos relatos desta matéria são fictícios, a fim de preservar a identidade das participantes da pesquisa.

 

 

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