Fábio Zanini, da Folhapress
“Cristão = Easter worshipper (cultuador da Páscoa). Terrorista = vítima do imperialismo ocidental. Morte de um palestino = crime contra a humanidade. Morte de um israelense = aí é só resistência”. Assim começa um post recente no Facebook de Gustavo Maultasch de Oliveira, sobre a atual “novilíngua progressista”, com vários outros verbetes.
Diplomata de carreira e atualmente servindo no consulado do Brasil em Washington, Maultasch, 38, tem feito sucesso em círculos liberais com seu tom sarcástico nas redes sociais, direcionado sobretudo (mas não apenas) à esquerda.
Quando o governo anunciou cortes na Educação, ele disse que a atitude da esquerda era “se lançar ao chão e dar aqueles mil rolamentos, como se fosse Neymar fingindo falta”. Também já defendeu o direito de Olavo de Carvalho de ser desbocado. “Debate público tem fricção, às vezes até faísca; o resto é frescobol de truísmo”.
O estilo de Maultasch e sua popularidade refletem algo maior: os liberais, até recentemente muito tímidos no embate com a esquerda, estão saindo do casulo.
Às vezes, o diplomata recebe críticas de colegas liberais pelo tom demasiadamente debochado. Ele não se importa e, mais do que isso, faz uma ode à polarização nas redes sociais, destoando do sentimento de que o Fla-Flu seria retrato da nossa inaptidão para o diálogo.
“Qual o problema de estar polarizado? Qual o problema de ter discordância? As redes sociais são fantásticas. A polarização é excelente. Quem troca fala não troca bala”, diz.
Como muitos liberais da segunda década do século 21, ele foi esquerdista no decênio anterior. Fez direito na Uerj e cursou (sem se formar) história na UFRJ, dois centros do que ele chama de “mentalidade problematizadora”.
“É o cara que quer problematizar antes de entender. ‘Eu não entendi como funciona o livre mercado, mas eu quero problematizar, falar de opressão, mais valia’”, diz.
Esquerdista aplicado que era, fez uma viagem a Cuba e na volta começou um processo gradativo de conversão ideológica: primeiro para a esquerda não radical, depois social-democracia e finalmente, por volta de 2008, liberalismo.
A mudança coincidiu com sua entrada na carreira diplomática, quando conheceu por dentro o funcionamento do governo. “Percebi que não havia chance de aquilo funcionar”, afirma.
Filiado ao Partido Novo e ligado ao grupo Livres, Maultasch vê uma certa dificuldade de se romper o “supremacismo moral da esquerda”.
É a visão deturpada, explica ele, de que a esquerda detém o monopólio do bem. “Se você é uma pessoa boa, você é de esquerda. A esquerda sempre tem uma resposta bem intencionada para tudo”, diz.
E vai além: “O pensamento de esquerda é e sempre será uma grande tentação. É uma grande massagem no próprio ego, uma grande ferramenta narcisista. ‘Ah, eu estou do lado certo da história. Estou aqui tomando um latte de soja de R$ 18, mas no fundo eu me preocupo com o social’”, provoca.
Mas é fato, diz ele, que os liberais ainda não conseguem desinflar esse discurso. Perguntei se a culpa por isso não é em parte do próprio liberalismo, muito mais preocupado com a economia e os direitos individuais do que com as políticas sociais.
Em resposta, ele diz que a dificuldade é convencer as pessoas a aceitar a existência de um terceiro pólo, nem a direita conservadora bolsonarista, nem a esquerda.
“É um desafio teórico para os liberais, e de marketing de ideias. Quando você defende as liberdades econômicas, você se confunde com os conservadores. Quando se fala de liberdades civis, se confunde com a esquerda”.
Mesmo entre os liberais, ele diz, há uma certa utopia que lembra muito a da esquerda. “É achar que, se tiver livre mercado, amanhã vem a cura do câncer”.
E como fica a aliança com conservadores que elegeu Bolsonaro? Para Maultasch, se for possível tocar pautas liberais, como vem tentando fazer o ministro Paulo Guedes (Economia), é um preço que vale a pena pagar.
Não que o presidente fique imune à sua crítica ácida. “O conservadorismo brasileiro pode ser muito melhor do que o governo Bolsonaro”, diz.