José Marques, Leonardo Diegues e Diana Yukari, FOLHAPRESS
Apesar de a eleição municipal ter ocorrido em meio a uma pandemia que tem como grupo de risco pessoas acima dos 60 anos, quem mais deixou de ir às urnas em comparação com a disputa de quatro anos atrás foram os jovens de 18 anos.
Em relação às eleições de 2016, a abstenção entre os eleitores que chegaram à idade obrigatória de votar teve um crescimento de 124% no primeiro turno. Considerando apenas os eleitores de 18 anos, 22,1% faltaram à eleição do primeiro turno deste ano.
Os números proporcionalmente são ainda mais altos nas duas maiores capitais do país. Em São Paulo, a ausência de eleitores de 18 anos cresceu 142%. No Rio, essa elevação foi de 159,1%.
Entre os eleitores com 19 anos, o percentual de crescimento da abstenção nacional ainda foi alto, mas bem menos significativo: 72,7%. Entre os de 20 anos, o aumento foi de 50%.
Mas a abstenção não aumentou só entre os jovens. Em todas as faixas etárias, se relacionadas ao pleito de 2016, cresceu o percentual de pessoas que deixaram de votar.
Nos extremos das idades em que a votação é obrigatória, todavia, esses números se acentuam. Entre os eleitores de 65 a 69 anos, houve um crescimento de ausentes na ordem de 78%.
Esse total representou aproximadamente 28% do eleitorado dessas idades. Na cidade do Rio de Janeiro a elevação dos ausentes de 65 a 69 anos foi de 101%. Em São Paulo, houve crescimento de 92,8%.
Ao fim das eleições, o próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral) avaliou que as condições neste ano, com a pandemia, foram propícias para que houvesse um número elevado de faltantes.
No primeiro turno, o índice geral foi de 23,1% – em 2016 foi de 17,5%. No segundo turno, a abstenção foi ainda maior, de 29,5% dos eleitores, enquanto em 2016 foi de 21,5%.
No último dia 29, após os dois turnos da eleição, o presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, relacionou os números com a pandemia. Disse que o percentual de ausentes no segundo turno foi maior do que o desejado.
"Precisamos ter em conta que fizemos as eleições em meio a uma pandemia que consumiu 170 mil vidas, e pessoas com temor deixaram de votar, muitas por medo, outras por estarem com a doença e muitas por estarem com os sintomas", avaliou Barroso, em entrevista.
"Quando iniciou-se o processo eleitoral, temia-se uma abstenção colossal devido à pandemia, e não foi o que ocorreu", completou.
No caso dos jovens, porém, além da crise sanitária da Covid-19, a alta abstenção pode estar aliada a fatores como o desinteresse pela política, segundo especialistas.
A cientista política Flávia Babireski, do Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários da UFPR, afirma que essa falta de apego à política pode ter sido aliada neste ano à facilidade em justificar a ausência por aplicativo, tanto no próprio dia da eleição quanto depois.
"Para quem não está mobilizado, o custo de não participar ficou muito baixo", diz Babireski.
Para o advogado eleitoral Rafael de Medeiros Chaves Mattos, membro fundador da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), a pandemia se juntou a outros aspectos que já estavam afastando os jovens da política e, às vezes, fazendo-os questionarem a legitimidade da própria democracia representativa.
"A sensação é que há uma decepção com o sistema, e os jovens não percebem absolutamente nenhum movimento que tenha o mínimo de viabilidade de se estabelecer com sucesso e dar oxigenação à política, com novos nomes", afirma Mattos. "Isso [abstenção] acaba sendo uma retroalimentação dessa decepção."
Mattos aponta que, embora tenha encurtado o tempo de campanha e reduzido o horário eleitoral televisivo a partir de 2016, a legislação passou a dar maiores possibilidade de discussões políticas no período de pré-campanha, como a apresentação de projetos, o enaltecimento das qualidades pessoais de futuros candidatos e o angariamento de apoios. O pré-candidato só não podia pedir voto.
Contudo, avalia, isso não funcionou na prática, e essas discussões ficaram ainda mais limitadas. "A gente passou a encarar uma Justiça Eleitoral que enxerga pedido de voto em quase tudo", diz Mattos.
"Então aquela norma que tinha intenção de promover o debate antes do período eleitoral acabou sendo encarada como ainda uma norma que veda várias condutas, porque qualquer frase corre o risco de ser interpretada como pedido de votos."
Ao jornal Folha de S. Paulo, logo após o primeiro turno, o cientista político Antonio Lavareda disse que a taxa de abstenção havia crescido tanto que considerava que o Brasil pode ter adotado o voto facultativo "informalmente".
"O eleitor que não foi votar nessa eleição muito provavelmente não vai votar na próxima se não se vir motivado", disse ele. Outros especialistas relacionaram também à perda da força da antipolítica, o que tornou a eleição deste ano mais "fria".
Apesar do alto crescimento da abstenção entre as pessoas de 18 e 19 anos e de 65 a 69 anos, os mais velhos são os que menos vão às urnas. A partir dos 70 anos esse índice supera os 50% e, entre os 85 e 89 anos, já chega aos 90%.
Já as pessoas com título eleitoral aos 16 anos são as que menos se abstiveram de votar: os que não foram às urnas representam 14% do total. Ainda assim, esse percentual cresceu 31,7% em relação às eleições de 2016.
Com exceção das pessoas que têm mais de 75 anos e não são obrigadas a votar, os crescimentos menos significativos de abstenções estão nas faixas etárias que vão dos 30 aos 54 anos. Nesse intervalo, nacionalmente, o aumento está na casa dos 30%.
Os dados de abstenção nas eleições deste ano não incluem Macapá, a capital do Amapá, cujas eleições foram adiadas devido ao apagão no estado. A cidade só teve primeiro turno no último dia 6.