Italo Nogueiro e Marina Lang, da Folhapress
O ex-policial militar Élcio Queiroz, acusado de participação no assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, entrou ao menos 12 vezes no condomínio Vivendas da Barra de janeiro a outubro do ano passado -a vereadora do PSOL foi morta em março.
Apreendidas pela Polícia Civil e analisadas pela Folha de S.Paulo, as planilhas de controle de acesso indicam que, em 11 dessas visitas, Élcio sempre teve como destino a casa 65, de Ronnie Lessa, policial militar aposentado também acusado e preso pelo crime.
A única exceção é a entrada no dia do crime, 14 de março, quando a planilha manuscrita indica que a autorização de acesso na portaria foi dada por algum morador da casa 58, onde vivia o atual presidente Jair Bolsonaro -então deputado federal.
Essa menção ao imóvel do presidente passou a ser alvo de averiguação no mês passado quando um dos porteiros declarou, em depoimentos à polícia, que o ex-PM Élcio entrou no condomínio naquele dia após autorização do "seu Jair", da casa 58.
A citação ao presidente, porém, logo foi considerada equivocada na investigação. Isso porque, no dia do crime, o então parlamentar Bolsonaro estava em Brasília e registrou presença em sessões de votação na Câmara.
Além disso, uma perícia feita pelo Ministério Público em gravações da portaria apontou que quem autorizou a entrada de Elcio naquele dia foi Ronnie Lessa.
Presos, tanto Élcio como Ronnie afirmaram em interrogatório na Justiça que são amigos de duas décadas e frequentam um a casa do outro.
As tabelas de controle de acesso ao condomínio têm colunas para que os porteiros indiquem as seguintes informações sobre o visitante: nome da pessoa, modelo, cor e placa do veículo, casa de destino, horário de entrada e de saída, identidade e de quem foi a autorização para entrar.
A reportagem identificou as entradas de Élcio com base na placa do carro que ele declarou à Polícia Civil. Trata-se de um Renault Logan, de placa AGH-8202, registrado em nome de sua mulher.
Além disso, as entradas descrevem seu número de identidade da PM –corporação da qual foi expulso em 2015. Na coluna de nome, por vezes ele aparece equivocadamente identificado como Elson.
Dos 12 acessos de Élcio no condomínio de janeiro a outubro de 2018, 3 ocorreram antes do crime –nos dias 11, 15 e 18 de fevereiro. As planilhas apontam como destino nessas ocasiões a casa 65.
Outras 8 entradas ocorreram após o assassinato de Marielle. A primeira delas se deu cinco dias após o crime, no dia 19. A segunda, em 14 de abril. Em maio, foram três visitas a Ronnie, segundo as planilhas: nos dias 16, 26 e 29. Há 2 acessos em junho (9 e 11) e outro no dia 6 de outubro.
Além do destino, existe outra diferença entre os 11 registros de entrada de Élcio à casa de Ronnie e o único que aponta como destino a antiga residência de Bolsonaro.
Em todos os acessos feitos para o imóvel de Ronnie, a coluna sobre o responsável pela autorização está preenchida –constam cinco nomes diferentes nesse período. Na referência à casa do presidente, o campo não foi preenchido.
As planilhas mostram ainda que os porteiros do condomínio se dividem em plantões com uma equipe de quatro pessoas. O funcionário que citou Bolsonaro em seu depoimento estava presente em 2 desses 12 acessos de Élcio ao Vivendas da Barra: no dia do crime, 14 de março, e depois em 6 de outubro.
A menção a Bolsonaro pelo porteiro levou a Promotoria a consultar o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a possibilidade de continuar com a investigação no Rio. A Procuradoria-Geral da República considerou não haver indícios contra o presidente e autorizou a sequência da apuração sobre o mandante do crime.
A primeira medida após a autorização da PGR foi recolher o computador da administração do condomínio. O objetivo dos peritos é analisar se houve alguma alteração no sistema de gravação de chamadas entre a portaria e as casas do local.
A gravação usada pelo Ministério Público para contradizer o porteiro faz parte de um CD entregue pelo próprio condomínio em outubro.
A Folha de S.Paulo revelou, contudo, que a perícia da Promotoria não avaliou a possibilidade de algum arquivo ter sido apagado ou renomeado antes de ser entregue às autoridades. Ela tinha como único objetivo instruir a ação penal contra os acusados de matar Marielle e Anderson, provando o encontro dos dois réus.
Em paralelo, a Polícia Federal abriu inquérito para apurar possíveis delitos de obstrução de Justiça, falso testemunho e denunciação caluniosa pelo porteiro contra Bolsonaro.
O presidente atribuiu o depoimento do porteiro como uma suposta influência do governador Wilson Witzel (PSC) na condução do inquérito. Eleito colando sua imagem à de Bolsonaro, o chefe do Executivo fluminense viu a família presidencial romper com a aliança há dois meses.
A investigação iniciada logo após o assassinato, em 14 de março, teve falhas reconhecidas pelo delegado Giniton Lages, responsável pelo inquérito até março deste ano, quando Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram presos.
As falhas atrasaram a identificação dos acusados do crime e ocorreram na coleta e análise de imagens a fim de identificar o trajeto feito pelo veículo usado pelos assassinos, um Cobalt.
Isso impediu, inclusive, que a polícia pudesse determinar se o carro saiu ou não do condomínio Vivendas da Barra.