Nicola Pamplona, FOLHAPRESS
Apesar da queda de consumo, o preço do etanol nas usinas atingiu na semana passada os maiores patamares para um mês de outubro desde 2016. A escalada, ainda no início da entressafra, é provocada principalmente pela maior produção de açúcar e indica pressão sobre o consumidor também na próxima safra.
Segundo dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da Esalq/USP, na semana passada o preço do etanol hidratado, aquele vendido diretamente nos postos, bateu R$ 2,01 por litro nas usinas de São Paulo.
O valor de venda dos produtores às distribuidoras é 6,3% superior ao verificado na semana anterior e 8% mais caro do que o vigente um ano anterior, já descontada a inflação do período.
Já o etanol anidro, que é misturado à gasolina, era vendido nas usinas paulistas a R$ 2,31 por litro, 4% a mais do que na semana anterior e 13,2% acima do verificado um ano antes. O valor está bem próximo do pico dos últimos anos, de R$ 2,32 (corrigido pela inflação), atingido em fevereiro, mês em que os preços geralmente são mais altos.
Segundo analistas, a escalada de preços reflete a desvalorização do real e a alta dos preços do açúcar, que superaram os R$ 1,3 mil por tonelada após disrupções na produção em países como Tailândia, Rússia e na União Europeia.
"Com o avanço dos preços do açúcar, as usinas adotaram um mix mais açucareiro, o que contribuiu para a menor oferta de etanol e manutenção de preços mais elevados do combustível a partir de julho", dizem, em relatório, os analistas Camilla Dole e Lucas Genoso, da XP Investimentos.
Normalmente, os preços do etanol sobem no último trimestre de cada ano, até atingir o pico no fim do primeiro trimestre do ano seguinte, antes da colheita da safra. Além de mais intenso, o cenário atual indica maior pressão durante a entressafra, já que as condições climáticas em regiões produtoras não têm se mostrado favoráveis.
Para o Itaú BBA, as projeções para a safra 2021/2022 indicam um balanço apertado na oferta de etanol. O banco estima necessidade de de importação superior a um bilhão de litros caso as vendas subam 8% e as usinas destinem 45% da cana para a produção de açúcar.
"Caso o crescimento da demanda seja superior a 10% e/ou o mix se mantiver nos patamares atuais, a necessidade de compras no exterior poderá ser bastante relevante", afirmam os especialistas do banco Cesar de Castro Alves, Fernando Alves Gomes e Guilherme Bellotti de Melo.
Os analistas do Itaú BBA avaliam que a preferência pelo biocombustível pode ganhar força em um cenário de restrições orçamentárias, em que os brasileiros devem optar por opções de combustíveis mais baratas, o que deve manter pressão sobre o consumo.
"Além disso, paridades na bomba entre etanol e gasolina ao redor de 65% nos principais estados consumidores tendem a dar estímulo adicional ao consumo do hidratado", afirmam. Um recuo na demanda só é esperado se esse percentual passar dos 70%.
A Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar) confirma que a safra está mais açucareira, mas diz que o movimento de preços é normal e questiona as projeções sobre aperto na oferta. "Existe um equilíbrio entre oferta e demanda", diz o diretor técnico da entidade, Antônio de Pádua Rodrigues.
Segundo ele, os estoques de etanol hidratado superam os da safra anterior em 12% e a demanda caiu 16%. Além disso, afirma, haverá um incremento na produção de etanol de milho. "Mesmo com a recuperação da demanda nos próximos meses, a oferta será suficiente até o início da próxima safra", concluiu.
Nas bombas, o preço do combustível subiu 14% desde o piso do ano, em maio, quando chegou a R$ 2,913 por litro, aponta levantamento da ValeCard. O valor ainda é menor, porém, do que os registrados no primeiro trimestre -em janeiro, o litro do combustível custava, em média, R$ 3,258.
A ANP, responsável pela coleta oficial de preços dos combustíveis no país, está reformulando sua pesquisa semanal e, por isso, não divulga resultados desde o fim de agosto.
O mercado de combustíveis enfrenta pressão também de outro biocombustível: o biodiesel, que vem subindo desde 2019 em resposta à forte demanda por óleo de soja. O produto é misturado ao diesel de petróleo antes da venda nos postos.
No último leilão regular promovido pela ANP, em agosto, o preço médio foi de R$ 5,043 por litro, mais do que o dobro do preço do diesel de petróleo.Em um leilão complementar, em setembro, os produtores cobraram R$ 5,723 por litro.
As dificuldades de oferta já levaram o governo a reduzir temporariamente o percentual mínimo obrigatório de adição do combustível, que é de 12% em 2020. Atualmente, o percentual está em 11%.