Embora existam cerca de 120 grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) na cidade de São Paulo, apenas seis são direcionados exclusivamente a mulheres. Uma pesquisa etnográfica da USP mostra que o alcoolismo e o seu tratamento são fortemente influenciados por marcadores sociais de gênero. O estudo revela que ao buscar apoio em grupos mistos do AA, as mulheres se sentem pouco à vontade para falar de sua vivência com o consumo de bebidas e dificuldades para expor questões íntimas em ambientes frequentados por homens; declararam também serem vítimas de assédio sexual, preconceito, discriminação e sexismo.
Esses relatos – “dor da alma“, como disse uma delas – fazem parte da pesquisa feita com 30 mulheres com transtorno do uso do álcool e que buscaram apoio em uma reunião feminina de AA em um grupo da zona Norte de São Paulo. Os resultados do estudo foram publicados em artigo na revista Alcoholism Treatment Quarterly Journal, com autoria de dois professores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP: o antropólogo Edemilson de Campos, coordenador da pesquisa, e a professora Nádia Zanon, especialista em saúde da mulher.
“A experiência do alcoolismo é diferente para homens e mulheres e a forma de comunicar essa experiência também é distinta. Por terem demandas específicas, reconhecemos que há a necessidade de ampliação de espaços exclusivamente femininos, lugares elas possam ser mais bem acolhidas para partilha de suas vivências”, diz Campos ao Jornal da USP.
“Depois de alguns anos, eu não me controlava mais, bebia demais, passava vergonha, fazia outros envergonhados também [. . .] Troquei de amigos, pois alguns não gostavam mais de conviver com o meu ‘jeito‘.”
Berenice, 44 anos, divorciada, 3 anos de AA
Os pesquisadores reconhecem que os Alcoólicos Anônimos (AA) são uma importante forma de apoio e tratamento para mulheres com transtorno alcoólico, embora elas ainda enfrentem problemas compartilhando sua intimidade em reuniões mistas. Os resultados da pesquisa mostram que é necessário ampliar espaços exclusivamente femininos de modo a atender com mais eficácia às demandas das mulheres, principalmente em questões em que o estigma de gênero é mais acentuado, como relacionamentos amorosos e sexuais, além das especificidades do uso indevido de álcool por mulheres.
A pesquisa contou com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O professor Edemilson de Campos é autor do livro Nosso Remédio É a Palavra: uma etnografia sobre o modelo terapêutico de Alcoólicos Anônimos.
*Os nomes descritos nos relatos desta matéria são fictícios, a fim de preservar a identidade das participantes da pesquisa.