Angela Boldrini, da Folhapress
Um mar de ternos escuros e gravatas. É o que se percebe em uma foto publicada pela Folha em 1º de fevereiro de 2019, que mostra o plenário da Câmara dos Deputados visto de cima. Olhando bem, alguns pontinhos coloridos se destacam entre o preto e azul dos paletós.
A imagem, registrada no primeiro dia da 56ª Legislatura, é simbólica. Os pontinhos no meio dos ternos são as mulheres que compõem a maior bancada feminina da história do Legislativo brasileiro.
Apesar do crescimento numérico delas, dois levantamentos obtidos pela reportagem mostram que o Congresso Nacional brasileiro ainda é um ambiente predominantemente masculino.
Pesquisas da Transparência Partidária, com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e do OLB (Observatório do Legislativo Brasileiro) demonstram que, embora haja avanços em relação a mandatos passados, mesmo eleitas as mulheres são preteridas dentro das estruturas de poder das Casas.
Desde 1826, passaram pelos corredores da Câmara 7.333 deputados, incluindo suplentes. As deputadas vieram em 1933, e, ao longo de quase 90 anos, ocuparam 266 cadeiras.
Na eleição de 2018, a bancada feminina saltou de 53 para 77 deputadas. Hoje, estão ativas na Casa 76 parlamentares.
O número é o maior já alcançado, com 15% do total de deputados –embora muito distante da paridade, já que as mulheres são 51% da população brasileira.
Mas a discrepância não cessa quando as mulheres são eleitas. Na Câmara, durante 185 anos a Mesa Diretora foi composta apenas por homens. Apenas em 2011 a então deputada e hoje senadora Rose de Freitas (Podemos) foi eleita por seus pares para ocupar um posto como titular do colegiado.
Depois dela, outras três deputadas foram titulares na Mesa: Mara Gabrilli (PSDB-SP), de 2015 a 2017, Mariana Carvalho (PSDB-RO), de 2017 a 2019 e Soraya Santos (PL-RJ), atual Primeira Secretária.
Isso significa que, entre todas as deputadas da história, só 0,01% chegou ao órgão de maior importância na Casa. Nunca houve uma presidente da Câmara ou do Senado.
"Há uma visão de que a mulher pode até entrar na política, mas não nos espaços onde de fato se define a política", afirma a cientista política Debora Gershon, pesquisadora do OLB.
Ela aponta ainda que as parlamentares mulheres acabam sendo direcionadas para pautas que reproduzem estereótipos na sociedade.
Isso fica evidente na composição das comissões, onde são maioria apenas no colegiado que trata de defesa dos direitos da mulher, com 90,6%.
Elas também aparecem em maior número em comissões como a de defesa dos direitos do idoso (42%) e dos deficientes físicos (37,6%).
Já nos principais colegiados, como a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e a CFT (Comissão de Finanças e Tributação), são sub-representadas, com 4,3% e 3,8% dos membros, respectivamente.
"Isso reproduz uma divisão sexual do trabalho da nossa sociedade, em que mulheres são relacionadas às atividades sociais e culturais e os homens, às atividade da ciência e economia", diz Gershon.
Para Gershon e também para a professora da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Luciana Panke, autora do livro "Campanhas Eleitorais para Mulheres: Desafios e Tendências", os problemas começam dentro dos partidos.
No caso das comissões, por exemplo, Gershon diz que um dos principais fatores para a maior presença masculina é o fato de que as posições são ocupadas por indicação dos líderes partidários –em sua maioria, homens.
Já essa predominância masculina nas lideranças (são 24 na Câmara e 21 no Senado) vem da forma como se veem as mulheres dentro das estruturas partidárias, diz Panke.
"Elas se restringem basicamente a dois papéis. O primeiro é de organizadora dos eventos, servidora do café, e o outro de liderança de grupo de mulheres, se houver."
Na Câmara, em 2020, seis bancadas são lideradas por deputadas: o PSOL, o PC do B, a Rede, o PV, o PSL e a Minoria.
"Com a mulher, na política não adianta bater na porta. Tem de chegar se impondo, não dá para ser muito no diálogo", diz Simone Tebet (MDB-MS), presidente da principal comissão do Senado, a CCJ.
Na Casa do tapete azul, são apenas 11 as parlamentares em 2020. Duas são presidentes de comissões permanentes e nenhuma faz parte da Mesa Diretora.
Tebet, que em 2018 foi a primeira líder mulher da tradicional bancada do MDB, diz que, apesar das dificuldades de chegar ao comando da CCJ, nunca foi discriminada enquanto presidente.
Ela afirma, no entanto, já ter presenciado críticas a outras senadoras. "Já ouvi falarem que colegas falam de maneira grossa, como se mulheres não pudessem falar alto como os homens. Até quando você se posiciona de uma forma técnica, dizem "ah, é a professora"."
Nas redes sociais, porém, as deputadas vêm aumentando seu espaço em relação aos homens. Estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas) que analisou o alcance e a influência de congressistas nesses meios mostrou que, entre os 25 com maior capital digital no Congresso, 10 são mulheres.
No Twitter, as deputadas mais influentes estão na direita. São Caroline de Toni (PSL-SC), Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP), em oitavo, nono e décimo lugar, respectivamente. A lista é encabeçada por Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP).
Na esquerda, a deputada mais influente em rede social é Sâmia Bomfim (PSOL-SP), em 17º lugar. No YouTube, a deputada de maior relevância é Joice Hasselmann (PSL-SP), atual líder de seu partido, em sexto lugar. Em seguida, vem Jandira Feghali (PC do B-RJ), líder da Minoria.
A líder do PSOL, Fernanda Melchionna (RS), atribui às manifestações feministas um papel essencial. "O que vai fortalecer a participação de mulheres na política não é uma reforma, mas a manutenção ideia de ocupar as ruas."
Para as pesquisadoras ouvidas, porém, é preciso ampliar e fiscalizar políticas de ação afirmativa como a cota de 30% para candidaturas femininas em cada partidos.
Mas propostas nesse sentido esbarram em uma questão do tipo "ovo ou galinha". Como há mais homens, não há votos para textos que poderiam aumentar o número de votos femininos dentro do Congresso. "A dominância masculina impede que esses projetos prosperem", diz Gershon.