Cientistas e divulgadores
A jornalista Luiza Caires, que está na Superintendência de Comunicação Social desde 2008 e, em 2016, tornou-se editora de Ciência do Jornal da USP e das mídias sociais Ciência USP, conta que até o ano passado, usava o Twitter mais para ser informada do que informar. “Quando começou a pandemia eu fiquei absorta atrás das respostas da ciência para as questões que o novo vírus trazia. E tudo que eu descobria a respeito, no contato com cientistas, ou fuçando artigos, eu vinha compartilhar. Mas sem método nenhum, no meu tempo livre, apenas como cidadã e alguém ligada às ciências que estava interessada numa situação que eu mesma vivia. Quando me dei conta, tinha muita gente interessada nas informações que eu estava trazendo, e da forma como as trazia, tentando ser o mais clara e compreensível possível. Eu não considerava isso como parte do meu trabalho, mas hoje, com a dimensão e alcance que essa divulgação alcançou, já incorporei isso à minha atividade e faço com mais planejamento”.
Ela diz que as redes complementam o trabalho feito no Jornal da USP porque permitem uma velocidade, interação com o público, e diversidade de assuntos muito maior. “Ainda que muitas vezes eu brinque ou poste sobre outros temas para tirar um pouco o peso de falar de doença o tempo todo, levo muito a sério as informações que divulgo no Twitter, porque sei que as pessoas levam a sério o que eu tuíto sobre a covid e outros assuntos científicos”, complementa.
Luiza diz ainda que sempre busca deixar claro que não é uma cientista, já que, ao vê-la interagir com cientistas e até ter seu conteúdo compartilhado por eles, alguns confundem. “Respondo apenas dúvidas que me sinto suficientemente segura a fazer por já ter consultado especialistas a respeito. O que eu não sei, eu digo na lata: não tenho como responder isso, e marco quem tem para entrar na conversa. Este é o papel em que me dou melhor, fazer pontes, mediar. Talvez essa seja uma das coisas que explique por que as pessoas gostaram de me acompanhar, porque sintetizo as discussões de vários cientistas e tento torná-las ainda mais claras ao público não especializado”. O relatório do estudo parece confirmar sua impressão, ao citá-la entre os perfis “pontes” no cluster brasileiro, ao lado de Otávio Ranzani e do próprio perfil da USP.
Para Atila Iamarino, estar nas redes sociais hoje é questão de sobrevivência no debate público, inclusive para os cientistas. “Medidas de governo, decisões e seus recuos têm sido feitos com base em repercussão em redes sociais. Se os cientistas não estão nas redes, não são relevantes para a política atual, com governos cada vez mais eleitos por redes sociais”. Além de fazer divulgação, diz ele, “é um meio que tem que ser usado para manifestar, participar. Se o fato de tirarem o financiamento da pesquisa, da saúde não render manifestações em redes sociais, isso não será um problema para as gestões – elas passam por cima sem dó e a gente tem visto isso repetidamente pelos últimos anos”. Ele observa que até mesmo generais e militares tiveram que entrar em redes sociais para terem um papel no governo e manifestarem posições. “Se até esse grupo, extremamente conservador e avesso ao uso dessas mídias, teve que entrar para ser ouvido e para ter uma voz, os cientistas não podem fazer diferente”, disse ao Jornal da USP.
Ele ressalta que é preciso haver uma política também institucional, envolvendo órgãos de fomento e universidades, que devem levar isso em conta na hora avaliar, e “não punir cientistas que se comunicam ou fazem divulgação em redes sociais. Valorizar projetos que têm como desdobramento também a propagação de informações em redes sociais é fundamental. No sistema atual fazer divulgação acaba sendo um desperdício de tempo em relação à progressão de carreira, já que não conta nem para a aprovação de projetos e nem como produtividade acadêmica. Cientistas que sabem fazer este tipo de papel também merecem ter isso considerado como produtividade.”
Atila, que se notabilizou pela divulgação sobre a pandemia feita em vídeo, vê enormes diferenças entre o seu trabalho no YouTube e no Twitter. Além de utilizar a plataforma para se comunicar com outros especialistas e coletar informações, ele usa o Twitter como “um tubo de ensaio para ver o que ressoa, no que as pessoas estão interessadas, quais perguntas que cada informação gera e ajudar a construir o conteúdo para outras redes. No YouTube é muito mais uma aula, uma explicação longa e didática, porque estou falando com um público mais amplo e variado”.
Ele conta que o seu uso da ferramenta mudou durante a pandemia, até pelo rápido crescimento em seguidores, hoje mais de 1 milhão. “É uma plataforma onde é muito fácil você ser mal interpretado e a informação cair em outras bolhas que não vão saber do contexto. Tenho que levar em conta isso. Outra coisa que eu tive que mudar é que o perfil de pessoas que passaram a me seguir inclui muitos decisores: muitos políticos me seguem, jornalistas, pessoas que passam a informação para outras. Frequentemente vejo jornais ou outros meios sendo pautados pelo que estou falando lá. Então não tenho que falar só do que é mais interessante, mas do que é mais importante ser propagado. Notícias que têm consequências públicas maiores, que normalmente não era o tipo de coisa que eu falava no Twitter, passaram a ser muito importantes, porque eu me vejo como uma ponte entre problemas que os cientistas enfrentam, decisões que a epidemia demanda, e o que a imprensa informa para as pessoas. Eu estava diminuindo meu uso do Twitter, uma tendência que eu teria seguido se não fosse pandemia. É um meio importante de comunicação, mas também cheio de poluição e de informação que não é relevante contra a qual a gente não pode agir. Mas com os seguidores e o alcance que eu ganhei na pandemia, agora eu não posso evitar, tenho que estar lá”.
“A ciência e sua produção muitas vezes estão longe da principal interessada nos resultados, a população. Para certos temas, como saúde pública, essa aproximação é obrigatória”, afirma Otávio Ranzani, ao comentar que, com a pandemia, se sentiu ainda mais estimulado a compartilhar seu conhecimento. “Dentro desse cenário e como sociedade, isso também significa tentarmos entender o problema e mudar de atitude, já que a pandemia não se controla somente com palavras. É necessário mudança de comportamento.”
Ele diz que não se enxergava como divulgador até então, mas acha que é possível fazer um paralelo entre a divulgação e a relação médico-paciente. “Eu sempre busquei falar de forma clara e acessível com pacientes e familiares sobre o diagnóstico, a doença e sua gravidade.
Como recomendação para a divulgação no Twitter, ele diz que um ponto principal e básico é entender para quem você está falando. “Muitas vezes meus pares esperam que eu discuta algo mais técnico, e isso também limita o entendimento da população em geral. Essa balança não é tão fácil. Eu consegui atingir um certo equilíbrio entre as duas. Usar palavras mais simples, mesmo falando de coisas técnicas, já ajuda muito.”
A biomédica Mellanie Dutra já é usuária antiga do Twitter, mas apenas em 2019 começou a utilizá-lo com maior frequência para divulgação científica, adotando-a como sua principal frente. Ela conta que já tinha vontade de se tornar divulgadora paralelamente à sua atuação em pesquisa, mas durante a pandemia sentiu “um grande chamado”. “Dediquei todo meu tempo livre para isso, a dar o meu melhor para auxiliar no enfrentamento tanto da pandemia quanto da desinformação. E ver esse retorno, emociona-me e me faz sentir honrada por poder receber um pouquinho do tempo das pessoas quando trago as informações”.
Para quem está começando, ela incentiva a não desanimar: “Divulgar ciência requer, entre outros aspectos, entender onde o público está, quais mídias prefere consumir, como montar conteúdos atrativos com uma linguagem acessível mantendo o rigor científico. É um caminho longo, e pode frustrar por não termos, na sequência, o feedback que esperávamos. Mas isso não significa que não podemos ter mudado a vida de alguém no percurso: o conhecimento é transformador. Transformou a minha vida, transforma a vida de milhões de pessoas, todos os dias. O que te motiva e te faz brilhar os olhos pode fazer o mesmo por outra pessoa, sem você nem saber disso! E lembre-se: uma pessoa por dia são 365 pessoas por ano.”
O médico Márcio Bittencourt conta que começou a usar o Twitter para discutir publicações, protocolos de pesquisa e participar da divulgação de artigos científicos com a comunidade internacional da área médica. “Não me enxergava como um divulgador para o público antes da pandemia. Na fase mais aguda, a falta de informações confiáveis e outras limitações do que estava disponível nas redes sociais me levou a começar a compartilhar mais”, relata.
A quem deseja usar o Twitter para divulgação, ele elenca alguns pontos importantes. Em primeiro lugar ter claro para si mesmo qual o contexto do seu perfil na rede e o objetivo dele. “Mais pessoas que buscam informações vão procurar o seu perfil se ficar claro o que o define”. Além disso, diz, “a rede foi feita para interagir. Não é necessário responder tudo, mas interagir com as pessoas que comentam suas postagens torna a troca de informações muito mais rica”. Por fim, Marcio recomenda que se evite “confrontos desnecessários com quem não está interessado em discutir de verdade”.