Marina Dias, FOLHAPRESS
Donald Trump subiu ao púlpito da Casa Branca abatido na noite desta quinta-feira (5). No dia em que viu o adversário Joe Biden se aproximar ainda mais da vitória e sofreu derrotas importantes em sua cruzada judicial para tentar contestar o resultado das eleições, o presidente fez um discurso de 15 minutos em que soou como quem acredita que pode perder.
Ao contrário do que costuma fazer em pronunciamentos públicos, o republicano leu a maior parte de sua fala, não respondeu a perguntas dos jornalistas e chamou o adversário de Mr. Biden, sem se referir a ele com o apelido de "Joe Sonolento", como é seu hábito em praticamente todas as menções que faz ao democrata.
Com a voz baixa, quase falhando em alguns momentos, Trump não apresentou novidades: disse que o rival está tentando roubar as eleições com os votos por correio, que considera ilegais. Sem apresentar provas, repetiu que está sendo trapaceado.
"Se você contar os votos legais, ganho facilmente. Se você contar os ilegais, eles vão tentar roubar a eleição da gente."
Trump fez inúmeros ataques ao sistema de votação por correio, que ele diz favorecer apenas os democratas. "É um sistema que torna as pessoas corruptas mesmo que não seja da natureza delas", disse.
Também houve ataques ao sistema de voto presencial: disse que a identidade dos eleitores não foi checada de forma adequada, e que houve pouco controle sobre quem podia ou não votar.
O presidente buscou associar os democratas aos poderosos, e o Partido Republicano aos americanos comuns. O discurso incluiu, ainda, ataques às cidades onde a apuração não anda favorável a ele, como Filadélfia e Detroit.
Durante o dia, o presidente fez o que tinha prometido: ampliou a ofensiva e colocou em marcha uma enxurrada de ações judiciais em vários estados decisivos, em uma afronta à democracia e ao sistema eleitoral dos EUA.
Antes mesmo de haver resultado final, na madrugada de quarta (4), Trump já havia se declarado vencedor da eleição e disse que iria à Suprema Corte para interromper a contagem de votos. Seu temor era que cédulas enviadas por correio, de maioria democrata, virassem o jogo em estados-chave, como de fato aconteceu.
Isso porque, em algumas regiões, os votos por correspondência entram na contagem depois dos presenciais e podem mudar o cenário vislumbrado inicialmente na apuração.
Na tarde desta quinta-feira (5), Trump disse que acionaria a Justiça para contestar os resultados nos estados-chave em que Biden havia conquistado a maioria dos votos.
O democrata tinha atingido 253 dos 270 votos necessários no Colégio Eleitoral para vencer –Trump tinha 214, e a disputa seguia acirrada.
"Todos os recentes estados reivindicados por Biden serão legalmente contestados por nós por fraude eleitoral e fraude eleitoral estadual", escreveu o presidente no Twitter, sem especificar a que regiões se referia.
A rede social marcou a mensagem como conteúdo com informações incorretas e enganosas, assim como outras postagens do presidente, que pediam "parem a contagem" e "parem a fraude" –Trump diz que os democratas querem roubar a eleição com os votos por correio, que classifica como ilegais.
O voto postal é uma prática comum nos EUA, que se intensificou com a pandemia, e com registros de irregularidade baixíssimos.
A estratégia republicana é preparar terreno para a alegação de que a Presidência de Biden, se confirmada, não é legítima.
Menos de 72 horas depois do início da apuração, nesta quinta, Trump já havia entrado com ações judiciais sobre a votação na Geórgia, em Michigan e na Pensilvânia, e pedido para recontar os votos em Wisconsin, onde Biden já foi considerado vencedor.
Na Geórgia e em Michigan, as ações foram negadas por juízes locais, enquanto na Pensilvânia Trump conseguiu uma vitória parcial.
No Wisconsin, com 98% das urnas apuradas, o democrata lidera com menos de 1 ponto percentual, mas especialistas afirmam que uma nova contagem não mudará os números.
A equipe do presidente também tentou impedir a contagem de votos em Michigan, mas a juíza do Tribunal de Apelações do estado, Cynthia Stephens, derrubou a ação, dizendo que não havia "base no mérito" do pedido.
Diante das investidas do presidente, Biden fez um discurso rápido em Wilmington, cidade onde mora em Delaware, e disse que "a democracia às vezes é confusa".
"Precisa de paciência, uma paciência que é recompensada."
Como tem feito desde o início da apuração, o democrata pediu calma aos apoiadores e defendeu que cada voto seja contado.
"O voto é sagrado, é como as pessoas dessa nação expressam sua vontade, e é a vontade dos eleitores, e de ninguém mais, que escolhe o presidente dos Estados Unidos."
Com a apuração quase concluída em Michigan, Biden tem mais de 2 pontos de vantagem, e a imprensa americana já projetou sua vitória. No início da contagem, porém, Trump liderava na região, que venceu por margem apertada em 2016 e que foi fundamental para levá-lo à Casa Branca.
Neste ano, depois que entraram na conta as cédulas por correio de áreas próximas às grandes cidades, mais progressistas, Biden virou.
Além de Michigan, a Pensilvânia também foi foco de preocupação de Trump como outra região fundamental para sua reeleição e na qual Biden vinha diminuindo a diferença com o avanço da apuração.
Na terça (3), a campanha de Trump acusou autoridades eleitorais de um dos condados do estado de contagem antecipada de cédulas enviadas por correio –o que seria ilegal– e de dar aos eleitores que enviaram cédulas incorretas a chance de votarem novamente.
Em uma outra ação, a campanha do republicano pediu a um juiz que interrompesse a contagem dos votos.
Ainda na Pensilvânia, Trump pediu a revisão de uma decisão da mais alta corte do estado –a determinação permite a contagem das cédulas postadas até o dia da eleição, desde que cheguem até sexta (6).
Três juízes disseram que há uma "forte probabilidade" de que essa decisão tenha violado a Constituição dos EUA, enquanto funcionários eleitorais afirmaram que vão separar as cédulas postadas que foram recebidas após 3 de novembro. A campanha republicana apresentou uma moção para intervir no caso.
Entre todas as investidas, Trump teve ao menos uma vitória na Pensilvânia nesta quinta: um tribunal de apelação estadual concedeu aos observadores eleitorais republicanos melhor acesso às áreas de contagem de voto na Filadélfia, região com tendência democrata.
Além de Michigan, Pensilvânia, Wisconsin e Geórgia, outros estados considerados decisivos que estavam em jogo até a noite de quinta são Arizona e Carolina do Norte.
No Arizona, a secretária de Estado Katie Hobbs afirmou à CNN que a campanha de Trump não teria um "caminho legal" caso queira processar a administração por causa da contagem dos votos.
A lei do estado exige que uma recontagem seja acionada se a margem que separa dois candidatos for menor ou igual a 0,1 ponto percentual, e Biden atualmente tem uma vantagem de mais de 2 pontos.
Já na Carolina do Norte, onde Trump lidera com mais de um ponto de vantagem, especialistas afirmam que não esperam investidas judiciais por parte do republicano.
"Acho que o presidente está entrando com ações judiciais onde ele acha que está realmente encrencado", disse à emissora David McLennan, professor de Ciência Política do Meredith College em Raleigh.