26 de Abril de 2024
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Comunicação sobre suicídio na internet tem fragilidades que podem potencializar riscos e dificultar a busca por apoio

Postado em: 05/05/2022

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Via Jornal da USP

 

Moradores de cidades com as menores taxas de suicídio localizadas no Estado de São Paulo (Registro e São José dos Campos) publicaram mais sobre o tema no Twitter mas, ao contrário do que se imaginava, a maioria das publicações não tinha conteúdo danoso, não expressava o comportamento suicida nem sofrimento. Os resultados fazem parte da tese de doutorado de Camila Corrêa Matias Pereira, defendida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USPO estudo apresentou, ainda, dicas gerais de como se comunicar acerca do tema. A substituição de termos como “suicídio cometido” (que associa suicídio a crime), “tentativa de suicídio bem-sucedida” (que pode dar uma conotação positiva), “tentativa de acabar com a própria vida”, “tentativa não fatal de suicídio”, “suicídio consumado” por “morreu por suicídio” foi bastante recomendada.

 

O objetivo do trabalho foi analisar postagens na rede social Twitter sobre suicídio, investigar evidências científicas sobre recomendações e melhores práticas para a comunicação segura sobre o comportamento suicida no ambiente on-line, além de identificar barreiras e facilitadores da comunicação segura em produções discursivas e mensagens de apoio relacionados ao tema.

 

Na primeira parte do trabalho, Camila examinou 804 publicações feitas desde o início do Twitter, em 2006, até o período em que foi realizada a busca, em 21 de junho de 2018. As postagens eram provenientes de quatro cidades do Estado de São Paulo: Marília e Ribeirão Preto, que tiveram os maiores coeficientes de suicídio no período estudado (taxas superiores a 7,5 óbitos por 100 mil habitantes); e Registro e São José dos Campos, que apresentaram os menores números (inferiores a 5,5 óbitos por 100 mil habitantes). Os dados são da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dadaos (SEADE) de 2016.

 

No Estado de São Paulo, dados divulgados pela Secretaria de Estado da Saúde mostraram que, só em 2019, 2.365 pessoas morreram por suicídio, o equivale a uma taxa de 6,13 mortes por 100 mil habitantes. 

 

A maioria das postagens consistia em tweets (84%) feitos por pessoas do sexo feminino (60%) em primeira pessoa (64%), não mencionava método para o suicídio (98%) nem comportamento suicida individual (72%).

 

Foi visto também que posts com conteúdo preventivo tiveram, aproximadamente, oito vezes mais chances de receberem curtidas quando comparados às postagens pró-suicidas (25% contra 12%, respectivamente). “Uma questão que nos chamou a atenção foi o fato de que pessoas que expressavam sofrimento e ideações suicidas publicavam mais postagens pró-suicidas e tinham pouco retorno para as necessidades que expressavam”, destaca Kelly Giacchero, professora da EERP e orientadora de Camila. “Esse achado mostra que buscar apoio nas redes sociais virtuais tem sido um meio pouco seguro para a pedir ajuda.”

 

Na segunda etapa, a pesquisadora fez uma revisão sistemática da literatura para investigar se evidências científicas respaldam recomendações e melhores práticas para a comunicação segura sobre comportamento suicida no ambiente on-line. Dos 429 artigos selecionados inicialmente, quatro foram incluídos no estudo após a aplicação de critérios de elegibilidade. 

 

Camila identificou várias recomendações. Entre elas, o incentivo à busca de ajuda, o foco na prevenção, o estímulo à procura por apoio social, entre outras. 

 

O uso de imagens clichê (como a de uma pessoa segurando a cabeça entre as mãos) também apareceu na literatura como algo a ser evitado. “Mas é importante frisar que as observações não estão apoiadas por dados empíricos, ou seja, são sugestões intuitivas”, ressalta Camila. “Apesar disso, vimos que a mudança poderia reduzir o estigma ou a percepção de um termo pejorativo.”

 

Terceira fase

 

Na última etapa da pesquisa, Camila realizou um estudo qualitativo e identificou barreiras, facilitadores e aspectos ambíguos sobre a comunicação segura e o comportamento suicida.

 

Por meio de um questionário on-line, 338 usuários da internet alfabetizados e com e-mail ou conta ativa no Facebook foram entrevistados entre outubro de 2018 a fevereiro de 2019. As perguntas iam desde questões pessoais até experiências prévias com pessoas em risco suicida.

 

Foram identificados facilitadores relacionados a ajuda profissional, a propensão em oferecer ajuda e a possibilidade de superação.

 

As abordagens para melhorar a busca de ajuda em saúde mental por parte dos jovens devem considerar o papel da internet e dos recursos on-line como um importante complemento de ajuda off-line, de acordo com Camila. Ao mesmo tempo, profissionais de saúde que trabalham com jovens precisam ser informados sobre planos de gestão de crises para a melhor compreensão de uma situação de risco.

 

O papel do suporte social, da família e o apoio da amizade estão associados a um risco reduzido de comportamento suicida. As estratégias de prevenção do suicídio devem ter como objetivo o desenvolvimento de habilidades psicológicas, reduzindo os fatores de risco e promovendo os fatores de proteção, como a resiliência, por exemplo. 

 

O despreparo para lidar com as informações foi apontado como um dos dificultadores da comunicação segura sobre o suicídio. “Há um déficit na formação da sociedade para lidar com a temática, o que pode contribuir para o desconforto emocional dos profissionais e para a limitação das possibilidades de atendimento a pessoas com comportamento suicida”, descreve Camila em sua tese.

 

Já entre as possibilidades ambivalentes, uma categoria muito presente foi a da religiosidade. A relação entre o comportamento suicida é complexa, de acordo com a pesquisadora. “Da mesma maneira que ela apresenta fatores protetivos, pode igualmente representar fatores de risco”, explica Camila. “Cada religião manifesta diferentes estratégias para lidar com a situação.”

 

“No geral, o estudo revelou como a comunicação sobre suicídio na internet ainda tem sido pouco segura, ou seja, tem fragilidades que podem potencializar riscos e dificultar a busca por apoio”, destaca Kelly. “Também apresenta uma síntese de algumas recomendações internacionais sobre a comunicação segura para a prevenção do suicídio no ambiente virtual e revela algumas lacunas no conhecimento cientifico sobre esse tema.”

 

Mortalidade no mundo

 

Um relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em junho de 2021 apontou que o suicídio é uma das principais causas de mortalidade no mundo, na frente de doenças como infecções decorrentes do HIV, malária e câncer de mama, e até de guerras e homicídios. Só em 2019, 700 mil pessoas tiraram a própria vida – o que equivale a 1 em cada 100 mortes. Esses números levaram a OMS a produzir novas orientações para ajudar os países a melhorarem a prevenção do suicídio. 

 

Como conta Kelly ao Jornal da USP, ainda existem muitas lacunas relacionadas à prevenção do suicídio em nosso País, entre elas, a falta de um Plano Nacional com objetivos, metas, estratégias, recursos, responsáveis e indicadores de acompanhamento. “Existem programas promissores para a prevenção, mas ainda há lacunas importantes que comprometem a sustentabilidade e abrangência das ações.”

 

Camila trabalha com o tema desde a graduação, quando iniciou seu projeto de iniciação científica. No mestrado, a enfermeira fez um estudo sobre comportamento suicida em blogs preventivos e pró-suicida. No doutorado, decidiu se aprofundar um pouco mais. “Além da minha tese em si, meu grupo fez vários outros trabalhos sobre essa temática em outras plataformas, como o Tumblr. A depender da rede social, o comportamento suicida pode ser expresso de forma diferente e essa questão precisa ser melhor investigada”, explica. 

 

A pesquisa de Camila disparou diversos questionamentos e ações relacionadas à prevenção do suicídio. “Estamos desenvolvendo atualmente um e-book sobre saúde mental, comportamento suicida e o uso de telas e também estamos desenvolvendo estratégias para formação de profissionais para a prevenção do suicídio em ambientes virtuais, incluindo cenários de simulação de alta fidelidade onde os alunos podem ter experiências práticas de atendimento após um período prévio de formação”, conclui Kelly.

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