Marina Lourenço, FOLHAPRESS
Com dois quilos e meio, uma réplica ultrarrealista da cabeça do presidente Jair Bolsonaro (PL) foi usada como bola de futebol no começo da tarde deste domingo, dia 21, no Minhocão, o elevado Presidente João Goulart, em São Paulo. O evento, organizado pelo coletivo americano Indecline, foi uma mistura de performance e protesto contra o governante, que neste ano tenta reeleição.
"Vamos chutar a cabeça desse verme", dizia uma mulher, apontando para a bola com o rosto de Bolsonaro, que era jogada de um lado para o outro. "Venham, pessoal, é gostoso demais. É terapêutico."
O evento reuniu um número pequeno de pessoas. Os termômetros não passavam dos 19 ºC na capital. Mas a pelada atraía a atenção de quem passava ao redor, fosse andando, correndo ou pedalando. Surpresos com a réplica, muitos paravam para fotografar o jogo, que ocorreu sobre um tapete de grama artificial, estendida sobre o asfalto.
Palavras de ordem como "fora, Bolsonaro" eram ouvidas. E quem quisesse entrar em campo para marcar gols tinha a vida fácil, já que não havia goleiros para defender a réplica do presidente.
"Filha, é aqui que você deve fazer cocô", disse uma das jogadoras à sua cadela, indicando a bola. Outros cachorros também foram incentivados a urinar e defecar sobre ela, que terminou o jogo descabelada, esfolada e com a carcaça rasgada.
A ação é parte do projeto "Freedom Kick", ou chute da liberdade, e já havia gerado o video "Brazil". Publicado em 2020, ele mostra uma réplica parecida da cabeça de Bolsonaro sendo colocada num saco de lixo, usada como bola de futebol e mordida por um cachorro.
"A gente quer mostrar que esse cara realmente não presta", afirmou Tiely, um dos que chutaram a réplica. Com meião com as cores da bandeira LGBTQIA+, ele é um jogador transexual, atleta do time Tamanduás Bandeiras e preferiu ser identificado apenas pelo nome. Apoiador do Indecline, jogou tanto na partida de 2020 como na deste domingo.
"Nós estamos aqui fazendo algo lúdico. Enquanto isso, tem gente que invade festa dos outros para dar tiro", diz Tiely, em referência ao assassinato do guarda municipal petista Marcelo Arruda pelo policial bolsonarista Jorge Guaranho, no mês passado.
"Tenho certeza de que quem parou hoje no Minhocão para chutar essa bola melhorou o seu estado de espírito", completa.
Fundado em 2001 por grafiteiros, fotógrafos e ativistas, o coletivo americano coleciona polêmicas com projetos que cutucam personalidades e líderes políticos que são, segundo o grupo, fascistas. Nomes como o russo Vladimir Putin e o americano Donald Trump, por exemplo, também já tiveram suas cabeças replicadas e chutadas.
Além disso, o coletivo já pendurou bonecos vestidos com a roupa da Ku Klux Klan em árvores, como se estivessem enforcados, e fez uma estátua de Trump nu, com um micropênis e sem testículos, por exemplo.
Um porta-voz americano do coletivo acompanhou a ação em São Paulo. Ele se manteve anônimo –o Indecline não revela a identidade de seus integrantes. Na opinião do representante, o presidente brasileiro é comparável a Donald Trump e flerta com o fascismo. E diz que, nesta eleição presidencial, o país deve ter em mente que votar no Lula não significa idolatrá-lo, mas escolher um candidato possível.
Ele afirma que o jogo com a réplica da cabeça é uma metáfora. E que, se Bolsonaro der um golpe para permanecer no cargo, as pessoas de verdade vão se machucar –não as réplicas.
Em 2020, pouco após o Indecline publicar o vídeo "Brazil", mais de 3.000 comentários brotaram na publicação do Instagram –o perfil hoje está extinto. Muitos deles afirmavam que a obra desrespeitava o presidente, incitava o ódio e cometia crime.
Um inquérito chegou até a ser aberto, mas foi arquivado pelo Ministério Público Federal, que alegou que a Constituição Federal garante a liberdade de expressão da atividade artística.
Além disso, membros do Indecline disseram ter sofrido ameaças de morte, algo que ocorre com frequência no coletivo. Mesmo assim, seus membros afirmam que continuarão a promover as ações.