Mateus Vargas, Marianna Holanda e Raquel Lopes, FOLHAPRESS
O governo Jair Bolsonaro (PL) vai cobrar, a partir de 11 de dezembro, a apresentação de comprovante de vacinação ou teste negativo da Covid-19 para liberar a entrada de viajantes não vacinados na fronteira terrestre.
Hoje as fronteiras terrestres estão fechadas, com poucas exceções.
A medida contraria recomendações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que sugeria barrar não vacinados ou até abrir trechos específicos com países vizinhos que apresentem, entre outros pontos, boa cobertura vacinal.
Técnicos da agência consideravam frágil solicitar apenas o teste para não vacinados, uma vez que só constata o coronavírus a partir do terceiro dia, e pedir quarentena a esses viajantes não seria exequível.
A atualização das normas se dá em meio ao surgimento da ômicron, variante classificada como de preocupação pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
A mudança consta em portaria publicada nesta quinta-feira (9) no Diário Oficial da União, assinada pelos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Marcelo Queiroga (Saúde), Anderson Torres (Justiça) e Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura).
Havia expectativa de que o governo pudesse considerar a recomendação da Anvisa de barrar viajantes que estiveram nos últimos 14 dias em quatro países africanos -Angola, Maláui, Moçambique e Zâmbia-, o que não ocorreu desta vez. Devido ao avanço da nova variante no continente, já estão proibidos voos de seis países.
A portaria também prevê regras para entrada de viajantes de voos internacionais. A diferença, neste caso, é que o governo cobra dos não vacinados, além do RT-PCR até 72h antes do embarque, período de quarentena de 5 dias de viajantes.
Isso fora anunciado na última terça-feira (7). Quem apresentar certificado de imunização estará liberado do período de isolamento.
Estas novas regras para o transporte aéreo de passageiros seguem recomendações apresentadas pela Anvisa em 12 de novembro.
Membros do governo dizem que a nova portaria não estava acertada no momento do anúncio à imprensa. Havia dúvidas sobre como colocar no papel as medidas sem deixar soar que o governo cobraria um "passaporte da vacina", termo proibido no vocabulário bolsonarista.
Na leitura de técnicos do governo, o Planalto fez um esforço para mudar as regras e evitar responder por omissão na Justiça ou TCU, mas controlando os danos às bandeiras negacionistas Bolsonaro.
Autoridades que acompanharam a discussão ainda têm dúvida sobre como será feita a fiscalização das quarentenas. Eles lembram que o Ministério da Saúde nem sequer conseguiu colocar de pé uma estratégia nacional de testagem.
Pela nova regra, a ideia é que os viajantes de voos internacionais sigam preenchendo um formulário exigido pela Anvisa, chamado DSV (Declaração de Saúde do Viajante), antes do embarque.
Neste documento, devem indicar em que local vão passar a quarentena no Brasil, caso não estejam vacinados, e assumir compromisso de bancar as despesas no período de isolamento.
Caso o viajante teste positivo ao final do período de quarentena, deverá continuar no isolamento, seguindo regras da Saúde.
Além disso, fiscais nos aeroportos brasileiros devem conferir os certificados de imunização daqueles que declararam ter recebido a vacina.
Descumprir as regras sanitárias pode levar estrangeiros a serem deportados. Já os brasileiros podem responder a ações civil, administrativa e penal.
Ainda que as regras para voos sejam mais brandas do que as de países que barram não vacinados, técnicos da Anvisa consideram um avanço cobrar o certificado ou quarentena nos aeroportos.
A agência sugere desde o fim de 2020 que viajantes façam quarentena. No começo, a recomendação era de isolamento de 14 dias, mas técnicos da Anvisa consideram razoável 5 dias. Isso porque só seria liberado quem apresentar o exame negativo no fim deste período.
A agência ainda quer afastar o turismo antivacina.
As regras sobre as fronteiras terrestres não são consideradas ideais pela agência, que pedia a cobrança do certificado de vacinação ou, como "plano B", uma abertura pontual das divisas com países mais vacinados.
A discussão sobre mudança no controle das fronteiras começou a partir da vontade de Bolsonaro de reabrir os limites terrestres, sem cobrar a vacinação.
O Planalto cobrou uma manifestação da Anvisa. A agência propôs, em 12 de novembro, regras mais rígidas, barrando os não imunizados, como mostrou a Folha de S.Paulo. Mesmo sem ser questionada, a agência também sugeriu que o governo passasse a cobrar a vacina nos aeroportos, ou exigisse quarentena de cinco dias.
Para evitar desagradar Bolsonaro e seus apoiadores, o Planalto ignorou por quase um mês as propostas da agência. Parte dos auxiliares do presidente apostava em esperar uma decisão do STF.
Mas a pressão sobre o governo cresceu e ministros passaram a considerar inevitável endurecer o controle das fronteiras. Isso porque, além da Anvisa, TCU (Tribunal de Contas da União), DPU (Defensoria Pública da União) e Fiocruz pediram a cobrança do certificado de imunização de viajantes.
Na segunda-feira (6), o ministro Luís Barroso, do STF, deu 48 horas para o Planalto se manifestar sobre o pedido da Anvisa, período que se encerra na quinta-feira (9), pois é feriado no Judiciário nesta quarta. Com todas as cobranças somadas, técnicos do governo passaram a temer ações administrativas ou na Justiça por omissão.
Representantes do Ministério da Saúde passaram a tentar convencer os interlocutores de Bolsonaro de que é vantajoso pedir o comprovante de vacinação. Um dos argumentos apresentado em reuniões interministeriais é que as restrições de entrada no Brasil por terra ficariam menos duras ao liberar quem está imunizado.
Hoje essas fronteiras estão praticamente fechadas, ou seja, um cenário ainda mais restritivo do que o proposto pela Anvisa. Essa ala do governo também afirmava que o Brasil poderia sofrer restrições de outros países caso mantivesse as fronteiras e aeroportos desprotegidos.
Em reunião na terça-feira (7), ministros disseram a Bolsonaro que a decisão não era apenas política, pois havia aumentado a pressão e o risco de o governo ser responsabilizado por omissão.
Prefeitos e governadores também cobraram controle mais rígido das fronteiras. O governador João Doria (PSDB) disse que o "passaporte" será adotado no território paulista, caso o governo Bolsonaro não cobre o certificado de vacinação até 15 de dezembro.
O acordo no governo para aceitar parte da sugestão da Anvisa foi tentar afastar Bolsonaro da decisão, ainda reforçar que a mudança não impõe um "passaporte da vacina".
No anúncio à imprensa, além de fazer críticas ao passaporte, Queiroga repetiu ideias negacionistas de Bolsonaro. "Essa questão da vacinação tem dado certo porque respeitamos as liberdades individuais. O presidente falou há pouco: às vezes é melhor perder a vida do que perder a liberdade", disse o ministro.
O presidente Bolsonaro também voltou a reforçar o discurso de que o governo rejeita o "passaporte", ainda que a ideia seja criar regras distintas aos não imunizados. "Não fechei nenhum botequim. E jamais vou exigir passaporte da vacina de vocês", disse o presidente a apoiadores nesta quarta-feira (8).