Artur Rodrigues, Rogério Pagnan e Thaiza Pauluze, FOLHAPRESS
Presos do regime semiaberto fugiram e realizaram atos de insubordinação nesta segunda-feira (16) em unidades prisionais do estado de São Paulo.
Ao menos quatro unidades registraram situações do tipo, em Mongaguá (litoral), Tremembé, Mirandópolis e Porto Feliz (no interior).
Agentes penitenciários relataram à reportagem que os problemas se repetiram em outras unidades e que houve fuga de mais de mil presos, o que o governo não confirma. A administração estadual afirmava, até a conclusão desta edição, que ainda não havia feito a contagem.
A tensão nas prisões aumentou após proibição de visitas em algumas unidades, como represália a uma greve branca, em que prisioneiros vinham se negando a participar de audiências. Eles protestavam contra o fato de líderes do PCC, incluindo Marcos Willians Herbas Camacho, estarem isolados em presídios federais.
Somado a isso, a reportagem apurou que a situação ficou ainda mais problemática quando os presos souberam de uma decisão da Justiça de suspender as saidinhas temporárias de detentos nos próximos dias, uma medida ligada à prevenção ao novo coronavírus.
A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo decidiu cancelar a saída de milhares de presos do regime semiaberto. Eles ficariam nas ruas em torno de uma semana e voltariam às unidades.
Na decisão, o corregedor-geral, o desembargador Ricardo Anafe, afirma ter atendido a um pedido da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), sob gestão de João Doria (PSDB). Ele determinou que a saidinha dos detentos deverá ser remarcada pelos juízes corregedores dos presídios.
Segundo o desembargador, o Judiciário considerou a necessidade de alteração da data porque, se agora fosse realizada, depois de cumprida a saída temporária, ao retornarem ao sistema prisional os detentos seriam potenciais transmissores do coronavírus aos demais encarcerados.
"Cabe ressaltar que a presente medida não configura supressão ao direito de saída temporária, legalmente previsto na Lei de Execução Penal (artigo 122 da Lei nº 7.210/84), mas tão-somente visa resguardar a saúde coletiva da população carcerária neste momento crítico, com garantia de gozo oportuno, em perfeita harmonia entre o interesse individual e a supremacia do interesse público", escreveu na decisão.
O governo João Doria (PSDB) também afirma que os atos se devem à suspensão da saída temporária, que ocorreria amanhã.
"A medida foi necessária pois o benefício contemplaria mais de 34 mil sentenciados do regime semiaberto que, retornando ao cárcere, teriam elevado potencial para instalar e propagar o coronavírus em uma população vulnerável, gerando riscos à saúde de servidores e de custodiados. A SAP ainda realiza a contagem para determinar o número exato de fugitivos", diz, em nota.
De acordo com a SAP, presos fugiram do Centro de Progressão Penitenciária de Mongaguá, cidade a cerca de 97 km de São Paulo. Um vídeo obtido pela reportagem mostra fuga em massa na unidade.
"Informamos que as unidades de regime semiaberto, por determinação da legislação brasileira, não possuem vigilância armada. A pasta está tomando as devidas providências para sanar o problema", afirmou a secretaria.
Os sindicatos dos funcionários do sistema prisional do estado já vinham reivindicando a presença de agentes armados nas prisões do semiaberto e criticando o déficit de funcionários, que acabam expostos em situações como motins.
Em Mirandópolis (a 600 km da capital), os presos colocaram fogo em seus pertences. Segundo a secretaria, o Grupo de Intervenção Rápida, composto de agentes de segurança penitenciária, está no local.
A SAP informou que também houve insubordinação em Tremembé (a 150 km de São Paulo), mas não deu detalhes sobre que tipo de atitude foi praticada pelos detentos.
Todas as prisões rebeladas estão superlotadas. No CPP (Centro de Progressão Penitenciária) de Mongaguá, no litoral, a capacidade é de 1.640 presos, mas estão lá hoje 2.796 detentos. A penitenciária Mirandópolis II, no interior, abriga quase o dobro de presos. Em Porto Feliz, o CPP tem 700 detentos a mais, assim como no CPP de Tremembé, que deveria ter no máximo 2.672 preso, mas tem 3.006.
De acordo com o promotor Lincoln Gakiya, a greve branca dos presos ocorreu devido a uma notícia plantada de que haveria uma greve de fome entre os líderes do PCC. No entanto, apenas o irmão de Marcola, Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior, Marcolinha, teria feito essa greve entre os dias 1º e 12 de março.
"Todos os demais internos de Brasília, inclusive o Marcola, não aderiram ao movimento. Ocorre que os presos de SP atendem a esse chamado achando que os "irmãos" estão em situação crítica, quando apenas os presos daqui saem prejudicados", disse o promotor.
O presidente do Tribunal de Justiça, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, também determinou nesta segunda a suspensão dos prazos processuais, do Tribunal do Júri e das audiências –exceto as de custódia e de apresentação de adolescentes infratores– por um prazo de 30 dias.
O objetivo é impedir o alastramento da pandemia, especialmente dentro dos estabelecimentos prisionais, cuja aglomeração é inevitável. O eventual excesso de prazo nas decisões judiciais "se justificam pela excepcionalidade da situação crítica envolvendo o risco à saúde pública e dos próprios cidadãos individualmente considerados, inclusive os encarcerados", escreveu o presidente do TJSP.
Segundo o magistrado, a Secretaria de Administração Penitenciária concorda em evitar a apresentação de presos, sob pena de agravamento do risco de contaminação da população carcerária.
Algumas audiências poderão ser realizadas por videoconferência.
Também ficam suspensas as entrevistas do setor psicossocial e as perícias e visitas de juiz corregedor às unidades prisionais, aos Centros de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente e às entidades de acolhimento.
Com a decisão, também ficam afastados do trabalho por um mês magistrados e servidores com mais de 60 anos, pessoas com deficiência, gestantes e quem tem doença crônica. Também ficam afastados aqueles que apresentarem sintomas da Covid-19.