Reynaldo Turollo Jr., Fabio Fabrini E Italo Nogueira, FOLHAPRESS
A pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, determinou a suspensão de investigações criminais pelo país que usem dados detalhados de órgãos de controle –como Coaf, Receita Federal e Banco Central– sem autorização judicial.
Na prática, a decisão paralisa a apuração realizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o filho do presidente Jair Bolsonaro.
Também atinge outros inquéritos e procedimentos de investigação criminal, de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações desses órgãos de controle. A determinação tem potencial de afetar desde casos de corrupção e lavagem, como os da Lava Jato, até os de tráfico de drogas.
“O presidente do STF, hoje, apenas cumpriu a lei e fez justiça. Nada mais. Numa decisão, que, na verdade, vale para todos os brasileiros. Não é uma decisão para o Flávio Bolsonaro”, disse à Folha de S.Paulo o advogado do senador, Frederick Wassef.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também elogiou a medida. “A decisão coloca freios. Ninguém pode sair a chafurdar a vida de quem quer que seja, se não tiver autorização judicial para isso.”
A decisão que beneficia Flávio provocou a reação de procuradores da Lava Jato. Eduardo El Hage, coordenador da operação no Rio, disse que ela “suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil”.
A investigação sobre Flávio começou com compartilhamento de informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) –depois disso, a Justiça fluminense autorizou a quebra de sigilo bancário.
As suspeitas tiveram origem em movimentação atípica de R$ 1,2 milhão, detectada pelo conselho, nas contas do ex-assessor Fabrício Queiroz de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
A decisão de Toffoli é de segunda-feira (15). A defesa de Flávio alegava que, na prática, seu sigilo já havia sido quebrado antes da decisão judicial, pelo fato de a Promotoria ter obtido dados financeiros detalhados do Coaf.
Os advogados do senador alegaram ao Supremo que havia, em discussão na corte, um tema de repercussão geral (que afeta o desfecho de todos os processos semelhantes no país) tratando justamente da possibilidade de compartilhamento de dados detalhados por órgãos de controle sem prévia autorização judicial.
A defesa do filho de Bolsonaro disse que o Ministério Público do Rio utilizou-se do Coaf para criar um “atalho” e se furtar ao controle da Justiça.
“Sem autorização do Judiciário, foi realizada devassa, de mais de uma década, nas movimentações bancárias e financeiras do requerente [Flávio] em flagrante burla às regras constitucionais”, afirmou.
Para a defesa, todos os casos que têm essa controvérsia deveriam estar suspensos até a decisão final sobre o assunto de repercussão geral.
Toffoli concordou com a argumentação, sob a justificativa de evitar que, no futuro, quando o STF decidir a respeito, processos sejam anulados. O debate sobre o tema está previsto para ser realizado no plenário em 21 de novembro.
Em outras oportunidades, Flávio já havia tentado anular a investigação, tanto no STF como na Justiça do Rio, mas teve pedidos negados.
Agora, a defesa do senador pegou carona em um processo que já tramitava na corte e que debate a questão do sigilo das movimentações financeiras de modo mais amplo –apesar de também ter nascido de um recurso relativo a um caso concreto, de relatoria de Toffoli, que está em segredo de Justiça no STF.
Trata-se do tema 990 da repercussão geral, que debate a “possibilidade de compartilhamento com o Ministério Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita Federal no legítimo exercício de seu dever de fiscalizar, sem autorização prévia do Poder Judiciário”.
Em sua decisão, Toffoli citou a “higidez constitucional da intimidade e do sigilo de dados”. Disse que os fundamentos apresentados pela defesa de Flávio eram relevantes e que a situação se repete em outros casos em que órgãos de fiscalização e controle possam ter transferido automaticamente ao Ministério Público, para fins penais, informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral.
Segundo o ministro, o plenário do STF já decidiu anteriormente que “o acesso às operações bancárias se limita à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, ou seja, dados genéricos e cadastrais dos correntistas, vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados”.
“De mais a mais, assinalo que essa decisão se estende aos inquéritos em trâmite no território nacional instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais”, escreveu Toffoli.
Não é possível calcular de imediato o impacto da decisão em termos de número de investigações que serão paralisadas –será preciso que as autoridades analisem caso a caso.
Se a defesa de um investigado, por exemplo, entender que houve compartilhamento dos dados de seu cliente fora dos parâmetros descritos por Toffoli, poderá requerer a suspensão ao juiz do caso.
Toffoli decidiu que a contagem dos prazos de prescrição, em todos os casos sustados, será pausada.
Eventuais decisões que anulem em definitivo as apurações dependerão do entendimento a ser firmado pelo Supremo no julgamento sobre a questão, em novembro.
Os relatórios do Coaf que embasam a investigação contra Flávio e Queiroz, ex-assessor dele na Assembleia Legislativa do Rio, apresentam informações detalhadas de determinados tipos de movimentação financeira.
Em relação ao hoje senador, o órgão federal detalhou hora e data de cada depósito de R$ 2.000 feito entre junho e julho de 2017. Foram no total 48 depósitos, somando R$ 96 mil.
Em relação a Queiroz, o órgão também pormenorizou hora e data de saques e depósitos de 2016. O documento é a origem da investigação contra o filho do presidente.
A defesa do senador também alegou ao STF que, por solicitação do Ministério Público, o Coaf se comunicou diretamente com as instituições financeiras a fim de detalhar informações enviadas pelos bancos. A medida foi vista como um “atalho” à necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo bancário.
A defesa de Queiroz afirmou, em nota, que “vinha desde o início apontando irregularidades no curso da investigação e esta decisão do STF só confirma os seus argumentos”.
Procurado pela reportagem, o Coaf não se manifestou.
A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro adiou o julgamento que faria nesta terça do habeas corpus que trata do mesmo tema.