Daniel Carvalho, FOLHAPRESS
Diante da prisão do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), nesta terça-feira (22), o Palácio do Planalto tem procurado blindar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas reconhece que é difícil evitar o desgaste com a narrativa de mais uma derrota do chefe do Executivo federal.
Além de ter apoiado a candidatura derrotada de reeleição de Crivella -a internet já recuperou até vídeo dos dois dançando durante a campanha-, dois dos três filhos políticos do presidente migraram para o Republicanos: o senador Flávio Bolsonaro (RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (RJ).
Abordado por jornalistas, o vice-presidente general Hamilton Mourão (PRTB) minimizou o impacto para o governo, dizendo que se trata de uma "questão policial" e que "segue o baile aí".
"O governo não tem impacto nenhum, pô. Não tem nada a ver com a gente. Sem impacto, zero impacto", disse Mourão nesta manhã.
Ao ser lembrado de que Bolsonaro apoiou a tentativa de reeleição de Crivella, o vice-presidente insistiu em minimizar a operação desta terça-feira. "A gente apoia tanta candidatura aí, pô, não tem nada a ver."
Crivella foi preso preventivamente nesta terça, em operação da Polícia Civil e do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro). Ele é apontado como chefe do suposto grupo criminoso que teria instituído um esquema de cobrança de propina na prefeitura.
Nos bastidores, auxiliares do presidente admitem que o desgaste é inevitável. No início do ano, Bolsonaro foi aconselhado a não apoiar candidaturas justamente para evitar desgastes com eventuais derrotas ou problemas judiciais que seus aliados poderiam enfrentar. Na reta final, porém, ele escolheu alguns nomes para pedir votos.
No caso de Crivella, Bolsonaro acabou ficando com derrotas nas duas frentes, já que o prefeito perdeu para Eduardo Paes (DEM), eleito em novembro, e agora foi preso.
Com a ajuda de Bolsonaro, Crivella tentou se cacifar na campanha como o principal candidato do campo conservador, mas o alto índice de rejeição que acumulava impulsionou sua derrota para Eduardo Paes, que teve 64% dos votos válidos no segundo turno.
Ao longo do dia, opositores de Bolsonaro à direita e à esquerda já exploraram a proximidade do clã Bolsonaro com o prefeito preso.
"O corrupto apoiado pelos bolsonaristas foi em cana. Mtos apagaram os posts com Crivela [sic], mas os prints são eternos. Aqui Carla Zambelli [PSL-SP], [Carlos] Jordy [PSL-RJ], Márcio Labre [PSL-RJ], Flavio Rachadinha Bolsonaro e mamãe [Rogéria Bolsonaro, ex-mulher de Bolsonaro e candidata derrotada a vereadora pelo Republicanos-RJ], Major Fabiana [PSL-RJ]. Só tenho uma coisa a dizer: KKKKKKK. O próximo é o Flávio, talkei", escreveu no Twitter a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) sobre uma compilação de imagens em que estes bolsonaristas aparecem com Crivella.
"O deputado bolsonarista Luiz Lima [PSL-RJ] acaba de chamar Crivella, candidato de @jairbolsonaro a prefeito do Rio, de mau gestor, corrupto e chefe de quadrilha. Pela primeira vez concordo com Luiz. A diferença é que ele se surpreendeu com o apoio de Bolsonaro a um bandido, e eu não", escreveu o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) compartilhou um vídeo em que Crivella e Bolsonaro dançam juntos e escreveu "OH GLÓRIA! Crivella já foi, Bolsonaro está a caminho levando a família".
Uma pessoa próxima à família disse à reportagem, sob reserva, que acredita que a prisão de Crivella pode antecipar a migração de Bolsonaro para um partido, movimento que ele pretendia fazer apenas em março.
O entendimento desse auxiliar é que o presidente pode querer levar ao menos o filho Flávio para esta outra legenda na tentativa de se afastar um pouco mais da sigla de Crivella.
Flávio já enfrenta dificuldades na Justiça por causa da investigação que apura suposto esquema de "rachadinha" no gabinete do hoje senador quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Bolsonaro está em Santa Catarina, sem agenda oficial, e ainda não se manifestou sobre a prisão do aliado.
Nesta manhã, horas depois da prisão de Crivella, o ministro Fábio Faria (Comunicações) publicou um vídeo em que aparece num barco com o presidente, com o secretário Jorge Seif (Pesca) e o apresentador Ratinho. Eles foram pescar.
À tarde, o vídeo desapareceu do perfil de Faria na rede social.
Assíduo nas redes sociais, Bolsonaro havia feito apenas duas publicações até o fim da tarde desta terça. Uma sobre pavimentação de uma rodovia e outra com trecho do curta-metragem americano, "A Tale of Momentum & Inertia" (Um conto de impulso e inércia, em tradução livre), de 2014.
No vídeo, um gigante de rocha segura uma enorme pedra que rola e está prestes a atingir um povoado. Na tentativa de proteger a população, o pé do gigante toca uma torre, que cai. Ele é atacado por aqueles que tentava salvar e, então, desiste de segurar a pedra, que volta a rolar e destrói tudo.
Esta não é a primeira vez que Bolsonaro publica o vídeo. Em 22 de novembro, postou as imagens junto com o anúncio de que participaria do segundo dia da Cúpula do G20. Naquele momento, o presidente brasileiro se sentia acuado por causa da pressão internacional por causa de sua política ambiental.
Desta vez, além da prisão de Crivella, Bolsonaro está sendo pressionado por seus apoiadores por causa de posicionamentos de seu indicado ao STF (Supremo Tribunal Federal), Kassio Nunes Marques, e por não se manifestar sobre a situação do blogueiro Oswaldo Eustáquio.
Preso na semana passada por descumprir restrições impostas pelo Supremo ao se deslocar até o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o blogueiro foi hospitalizado na noite de segunda-feira (21).
De acordo com a defesa de Eustáquio no inquérito em que o paranaense é investigado pela prática de atos anti-democráticos, ele consertava o chuveiro de sua cela no presídio da Papuda quando caiu sobre a pia e fraturou uma vértebra.
O partido de Crivella, de Flávio e de Carlos Bolsonaro divulgou nesta terça-feira uma nota na qual saiu em defesa do prefeito do Rio de Janeiro.
"O partido acredita na idoneidade de Crivella e vê com grande preocupação a judicialização política", afirmou o Republicanos.
No início da noite, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), qualificou a prisão de abusiva e a comparou com a atuação do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa durante o julgamento do mensalão. "Ele fez a investigação, não expôs as pessoas", afirmou. "Acho que é uma questão abusiva. O prefeito tem endereço fixo. Podia continuar sendo investigado mesmo sem a prisão. E poderia avançar a investigação, ser condenado e, aí sim, cumpriria a pena, provado e condenado nas instâncias necessárias", defendeu.
Para Maia, a prisão de Crivella foi mais uma tentativa de criminalizar a política e de "antecipar condenação e pré-julgamentos em relação aos políticos".