Paulo Saldaña e Ricardo Della Colletta, da Folhapress
O pastor presbiteriano Milton Ribeiro tomou posse como ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro nesta quinta-feira (16) em cerimônia fechada em Brasília. Ribeiro disse que, mesmo sendo pastor, assume compromisso pela laicidade do ensino público e prometeu maior diálogo.
"Conquanto tenha a formação religiosa, meu compromisso que assumo hoje ao tomar posse está bem firmado e localizado em valores constitucionais da laicidade do estado e do ensino público"
Milton Ribeiro é o quarto ministro da Educação em pouco mais de um ano e meio de governo. Doutor pela faculdade de Educação da USP, ele não tem experiência em gestão pública.
O novo ministro é pastor da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração de Santos, litoral de São Paulo. Antes de assumir a pasta, defendeu, em vídeos publicados em redes sociais, educar crianças pela "dor" e também disse que homem tem que impor o caminho no lar.
"Jamais falei em violência física na educação escolar e nunca defenderei tal prática, que faz parte de um passado que não queremos de volta", disse ele.
No vídeo de uma pregação feita em abril de 2016, Ribeiro afirma que "essa ideia que muitos têm de que a criança é inocente é relativa". Ao explicar o que vê como distinção entre castigo e disciplina, cita um trecho da Bíblia: "Castiga o teu filho enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-la".
"Um tapa de um homem ou uma cintada de uma mulher podem ser muito mais fortes que uma criança pode suportar". Em seguida, no vídeo da pregação, afirma: "Não estou aqui dando uma aula de espancamento infantil, mas a vara da disciplina não pode ser afastada da nossa casa".
Nesta quinta (16), após negar defender a violência, Ribeiro afirmou que os professores perderam a autoridade no Brasil.
"Isso aconteceu devido a implementação de políticas e filosofias educacionais equivocadas, que desconstruíram a autoridade do professor em sala de aula, o que agora existem são muitas vezes episódios de violência física de alguns maus alunos contra professores", disse, sem citar a quais políticas se referia.
O novo ministro também afirmou que pretender "abrir um grande diálogo para ouvir os acadêmicos e educadores". A gestão de Abraham Weintraub ficou marcada por ataques a vários setores, como as universidades.
Doente, infectado pela Covid-19, Bolsonaro participou do evento por vídeo, do Palácio da Alvorada, de onde assinou a posse do ministro. A cerimônia não foi aberta à imprensa.
"Com toda certeza, a chegada de um ministro voltado para o diálogo, usando a sua experiência e querendo o melhor para as crianças, esse entendimento se fará presente", disse Bolsonaro.
O MEC estava sem ministro desde 18 de junho, quando Abraham Weintraub foi demitido do cargo. Bolsonaro nomeou, mas não deu posse, a Carlos Alberto Decotelli, que pediu demissão após virem à tona falsidades em seu currículo.
Na quarta (15), Ribeiro participou de reunião com o ministro Paulo Guedes (Economia) e parlamentares sobre a renovação do Fundeb, mecanismo de financiamento da educação básica.
Integrantes do MEC dizem, nos bastidores, esperar alterações na equipe sob sua gestão. O secretário-executivo da pasta, Antonio Vogel, já anunciou que deixa o cargo que ocupa desde abril de 2019, quando Weintraub assumiu o MEC.
O governo tenta dar um caráter técnico à escolha de Ribeiro para o MEC e também dar acenos a grupos de apoio, como os evangélicos. Dessa forma, ele não vai mexer em posições de influência da ala ideológica do governo e também daquelas oriundas de negociações políticas.
Dessa forma, a presidência do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) permanece sob comando do centrão, bloco que Bolsonaro se aproximou. A secretaria de Alfabetização também continua com Carlos Nadalim, aluno do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.
Como experiência acadêmica, Ribeiro foi vice-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, entre 2000 e 2003. No mesmo período, foi diretor da área de especializações da instituição.
Ele ainda fez parte do conselho do Instituto Presbiteriano Mackenzie, órgão mantenedor da universidade, em dois períodos: entre 1994 e 2000 e a partir de 2015 –o Mackenzie informou que ele renunciaria ao cargo com a posse no MEC.
Sua atuação acadêmica mantém ligação mais ligada à religião do que a políticas de educação pública. No mestrado, no Mackenzie, pesquisou liberdade religiosa. Em seudoutorado, finalizado em 2006, dedicou-se a examinar o calvinismo no Brasil e a relação com a educação. Também aparecem no currículo duas especializações sobre o Velho Testamento.
A única disciplina que ele teria lecionado, também no Mackenzie, foi ética e disciplina, em 2001.
Desde maio de 2019, ele e membro da Comissao de Etica da Presidencia da Republica. Sua chegada ao governo se deve ao patrocínio dos ministro Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) e André Mendonça (Justiça), também pastor presbiteriano.
O novo ministro chega ao MEC em um cenário crítico. A pandemia de Covid-19 levou ao fechamento de escolas, exige esforços para manter o ensino e acarretará em queda de recursos.
A pasta, no entanto, não liderou o enfrentamento à pandemia na educação básica e tem se mostrado ausente na manutenção de aulas remotas e na definição de protocolos de retorno às aulas. Também não criou linha de financiamento para mitigar os efeitos da pandemia, fato considerado mais grave.
O MEC sofre ainda com a ineficiência na execução de recursos. O jornal Folha de S.Paulo mostrou no mês passado que a maior parte dos gastos feitos pelo MEC neste ano são de empenhos de 2019 mas não realizados de fato.
O novo ministro terá que fazer um esforço para construir pontes com o Congresso, que analisa na próxima semana a renovação do Fundeb. Também será necessário melhorar o diálogo com os secretários de Educação e com as universidades–cuja relação foi desgastada por Weintraub.