Os produtores das fake news sobre covid-19 exploraram estrategicamente aspectos culturais como saberes populares, tradições, crenças religiosas e hábitos alimentares para manipular a população durante a pandemia. O objetivo foi dar sentido de proximidade e verossimilhança às informações falaciosas propagadas pelas redes sociais.
A conclusão é do estudo realizado pela relações públicas Ana Paula Dias, a partir da análise de notícias falsas disseminadas no Brasil e no México, entre janeiro de 2020 a novembro de 2021, em plataformas digitais como o Youtube, WhatsApp, Facebook, Twitter e Instagram. Essas notícias tiveram a veracidade do conteúdo analisada pela plataforma latino-americana Latam Chequea-Coronavirus, que reúne 35 agências de checagem de informações.
“Os conteúdos falsos impactaram negativamente mais alguns grupos sociais do que outros, como foi o caso dos povos indígenas do Norte do Brasil que sofreram atraso na vacinação pela recusa do imunizante. Estes, influenciados por notícias falsas, acreditavam que, se fossem imunizados, virariam jacaré, mudariam de sexo, contrairiam o vírus HIV e poderiam até morrer. Outro grupo social também bastante afetado foi o de pastores evangélicos, proporcionalmente os profissionais que mais morreram de covid-19 em 2020”, relata ao Jornal da USP, a autora da pesquisa apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam).
A pesquisadora cita o estudo publicado na revista Frontiers, que demonstra que a taxa de incidência de covid-19 foi 136% mais alta do que a média nacional na Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Pará, Maranhão, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins – estados pertencentes à Bacia Amazônica) e 70% maior do que a média entre todos os habitantes da região. A taxa de mortalidade indígena por 100 mil habitantes foi 110% superior à média brasileira.
De acordo com a Ana Paula, em algumas comunidades indígenas no México, mensagens de áudio diziam que o governo estaria disseminando doenças para acabar com essa população. Boatos como esses, junto a outros fatores, como a falta de infraestrutura médica, contribuíram para que houvesse maior taxa de mortalidade por covid-19 entre os indígenas mexicanos.
O Brasil e o México foram escolhidos como objeto de estudo porque a América Latina foi uma das regiões mais afetadas pela propagação das notícias falsas sobre covid-19, de acordo com dados do Covid-19 Infodemics Observatory, da Fundação Bruno Kessler. Neste contexto, em ambos países, o presidente Andrés Manuel López Obrador, do México, e o ex-presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, apoiaram informações falsas, minimizando a importância do uso de máscaras faciais e contradizendo os conselhos médicos, chegando a negar a pandemia.
A pesquisa, que analisou 736 notícias, também identificou que a produção das notícias falsas, em geral, partia ou era apoiada por grupos políticos, empresários, autoridades de governos, personalidades públicas e perfis falsos em redes sociais com o objetivo de espalhar pânico na população e manipular seu comportamento para reafirmação de interesses ideológicos ou financeiros.
Entre os temas das narrativas falaciosas das notícias analisadas, estão: interesses político-partidários, situação da doença em outros países, vacinas, medidas de prevenção, impacto da pandemia em empresas, tratamentos, origem do vírus, religião, entre outras.