Reinaldo José Lopes, da Folhapress
Os fatores que levam ao surgimento de nuvens de gafanhotos na América do Sul ainda não estão totalmente claros, mas é bastante provável que alterações ambientais causadas pela ação humana, como as grandes lavouras de monocultura, acabem favorecendo a formação desses bandos com dezenas de milhões de insetos.
"A monocultura não apenas concentra grandes quantidades de alimento para os gafanhotos num único lugar como também tende a eliminar competidores e inimigos naturais", diz o entomólogo Ângelo Parise Pinto, da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
"Há ainda o fato de que a monocultura retira obstáculos para a movimentação deles, criando uma paisagem homogênea que facilita a agregação e a migração dos grupos."
Nuvens de gafanhotos como a que apareceu nos últimos dias na fronteira da Argentina com o Brasil são um fenômeno registrado de forma intermitente há milênios. Os insetos são uma das dez pragas enviadas por Deus contra o Egito segundo o livro bíblico do Êxodo, no Antigo Testamento.
"Devoraram toda a erva da terra e todo o fruto das árvores", diz o texto. Já no Apocalipse, último livro do Novo Testamento, gafanhotos horrendos surgem depois que um anjo soa uma trombeta e, em vez de devorar plantações, eles atormentam o mundo com picadas semelhantes às de escorpiões.
Também há menções a tais pragas em épicos gregos e hindus da Antiguidade. Em épocas mais recentes, o aparecimento periódico das grandes agregações de insetos pode devastar plantações em quase todos os continentes (as exceções são a América do Norte e a Antártida), mas o efeito costuma ser localizado, raramente afetando de forma significativa os recursos agrícolas de um país inteiro, a não ser em regiões que já sofrem com insegurança alimentar crônica, como a África ao sul do Saara.
"É preciso considerar que essas explosões populacionais entre insetos tendem a ser fenômenos muito rápidos, que começam rapidamente e podem terminar muito rapidamente também", explica Parise Pinto.
Tudo indica que a nuvem de gafanhotos dos últimos dias, no momento localizada a pouco mais de 100 km da fronteira da Argentina com o Brasil, seja formada por membros da espécie Schistocerca cancellata, tipicamente sul-americana.
Gafanhotos capazes de formar essas agregações são, na verdade, muito raros: apenas 20 das 6.000 espécies do grupo apresentam esse comportamento. Além disso, mesmo as espécies com essa capacidade normalmente levam vida solitária, encontrando outros indivíduos apenas para o acasalamento.
Circunstâncias ambientais específicas, como maior disponibilidade de alimento, podem alterar essa dinâmica e fazer com que surjam as nuvens. Nesses casos, a própria anatomia dos insetos sofre mudanças profundas, com alterações na coloração e o surgimento de certas protuberâncias no corpo.
As grandes massas de bichos juntos conferem certa proteção a seus membros contra predadores (no mínimo, é mais difícil alcançar os gafanhotos que estiverem na parte "mais funda" da nuvem); além disso, as mudanças na fisiologia dos animais faz com que eles fiquem mais resistentes a micro-organismos causadores de doenças quando assumem a forma gregária.
Como o processo de formação das nuvens é gradual e começa quando os gafanhotos ainda estão em sua fase imatura (as chamadas ninfas), o melhor método de combate ao problema é monitorar os insetos com frequência e eliminar as agregações em seu estágio inicial.
Além do uso de inseticidas convencionais, também é possível aplicar bioinseticidas -esporos de fungos capazes de infectar e matar os gafanhotos.
Segundo o pesquisador da UFPR, ainda não há estudos confiáveis sobre as variáveis ambientais (alterações no calor e na umidade, por exemplo) que poderiam favorecer o aumento das nuvens de gafanhotos na América do Sul.
De qualquer modo, as mudanças climáticas causadas pelo homem certamente têm potencial para ampliar o alcance dessas espécies em regiões antes consideradas frias demais para sua presença, diz ele.