Fábio Fabrini, FOLHAPRESS
A delegada Karla Fernandes, responsável pela investigação de supostos abusos sexuais cometidos por João de Deus, 76, disse nesta segunda (17) que o médium não responderá pela maioria dos crimes dos quais é suspeito por ter expirado o prazo legal.
Os 15 casos formais sob análise da Polícia Civil de Goiás, segundo ela, se referem a violação sexual mediante fraude -no caso específico, usar da fé das mulheres para cometer atos libidinosos com elas.
Até setembro, a lei previa um prazo para a denúncia ser feita de até seis meses após a data do fato. Mas a maioria dos registros formalizados são mais antigos e a comunicação não se deu em tempo hábil.
Houve mudança na legislação penal e, agora, esse prazo não existe mais para esse crime -porém a mudança não se aplica aos casos anteriores.
Diante disso, a delegada reforçou ser importante que as mulheres continuem levando informações às autoridades. Alguns relatos podem configurar outro tipo de crime sexual, inclusive estupro (que, nos casos simples, podem ser denunciados até 16 anos depois). Além disso, mesmo ocorrências antigas podem reforçar o conjunto de provas.
O promotor de Justiça Luciano Miranda Meireles, da força-tarefa que investiga João de Deus, disse que o Ministério Público já recebeu mais 400 relatos, por email, de mulheres que se dizem vítimas do médium. Nesse universo, 30 foram formalizados com depoimentos prestados às Promotorias de diversas regiões.
O promotor afirmou que, entre os casos reportados, vários tratam de violações nos últimos seis meses, o que favorece o indiciamento e a denúncia do suspeito. Ele disse que as denúncias recebidas tratam ainda de outros tipos de crimes, aos quais não se aplica o prazo de seis meses.
“Temos vários casos que ocorreram nos últimos seis meses e, além disso, alguns desses crimes contra a dignidade sexual não precisam observar esse período. Temos o chamado crime de estupro de vulnerável, que é exatamente aquele em que o agente, se valendo da enfermidade da vítima, pratica o abuso sexual. E nós já temos vários relatos nesse sentido”, declarou.
Por lei, além de doentes, são considerados vulneráveis menores de 14 anos. A pena para o estupro dessas pessoas é de até 15 anos de prisão.
O promotor disse que também há casos de estupro de pessoas não vulneráveis sob análise, o que pode render até dez anos de reclusão. No caso da violação sexual mediante fraude, são até seis anos de cadeia.
“Tudo vai depender da análise do caso concreto. Há a variação entre essas tipificações e é isso que os relatos estão nos mostrando”, afirmou.
O caso João de Deus está sendo investigado por duas forças-tarefas distintas, uma na Polícia Civil e outra no Ministério Público de Goiás.
A delegada Karla Fernandes, que trabalhou por oito anos na Delegacia de Mulheres, afirmou que o crime de estupro (ato libidinoso praticado mediante violência ou grave ameaça) ainda não se enquadra nos casos com a polícia.
O principal relato para embasar o pedido de prisão foi posterior a setembro, envolvendo uma mulher de 43 anos, moradora de Goiânia, que administra uma casa espírita. Ela contou ter procurado João de Deus para buscar a solução de problemas nesse centro espiritual. Foi a primeira a ser atendida e, segundo a versão apresentada, logo levada para uma sala reservada, cujas luzes estavam apagadas.
O médium teria então massageado a região sob o ventre da mulher, sob o argumento de dissipar uma energia ruim. Ela relatou que, em determinado momento, notou que João de Deus estava com o pênis de fora e reagiu, alegando que havia algo errado.
Ele teria interrompido a sessão e solicitado que ela não contasse nada a ninguém.
A delegada afirmou que, em depoimento, João de Deus disse não conhecer ou não se lembrar de várias mulheres que o acusam e negou os abusos. Porém, quando questionado sobre o caso mais recente, teria alterado o tom de voz e alegado que a acusadora é uma mulher problemática.
A delegada afirmou que essa mulher foi a única encorajada pelo companheiro, seu namorado, a denunciar.
Ela contou que um dos casos é o de mãe e filha que relatam ter sido abusadas, mas que o marido e pai das supostas vítimas teria minimizado o problema e continuado a frequentar o centro de cirurgias espirituais do médium. “Se o pai não defende a própria filha, ela tem medo de se expor.”
Karla Fernandes disse que muitas das mulheres alegam que, no momento das supostas violações, não percebiam que se tratasse de um abuso, embora se sentissem mal.
A Justiça autorizou a polícia a fazer buscas em 20 endereços ligados a João de Deus. Os investigadores também procuram mídias que possam conter mensagens e outras possíveis provas dos crimes.
O advogado Alberto Toron apresentou nesta segunda um habeas corpus para tentar libertar João de Deus. Ele pede que a prisão seja revogada ou, alternativamente, que seu cliente seja transferido do regime fechado para o domiciliar.
Nesta hipótese, o médium seria monitorado por tornozeleira eletrônica. Toron visitou João de Deus e disse que ele está abatido, mas bem.
O médium passou a primeira noite na prisão em uma cela de 16 m² com mais três advogados que respondem a processos na Justiça. Pela manhã, foi servido a ele pão com manteiga e achocolatado.
Toron considerou positivo o fato de seu cliente ter sido alojado com mais três pessoas. “Ficar sozinho numa cela é talvez o pior castigo que se possa impor a um preso. O diretor [do presídio] teve o cuidado de deixá-lo com outros presos de nível superior. Ele está bem, os presos o tratam bem”, comentou.