Marianna Holanda, Renato Machado e Thiago Resende, FOLHAPRESS
Isolado nos ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal), Jair Bolsonaro radicaliza o discurso e infla os atos de apoio ao governo marcados para o 7 de Setembro.
Avisados do risco de infiltração de bolsonaristas nas Políciais Militares, governadores pedem trégua e querem encontrar o presidente para estancar a crise institucional.
A apresentação por Bolsonaro do pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF, na sexta-feira (20), elevou a tensão entre os Poderes. Nesta segunda (23), o presidente voltou à velha pauta do voto impresso.
A defesa do instrumento é feita mesmo depois de a Câmara ter derrotado a proposta. O voto impresso é o tema que mais mobilizou recentemente a militância bolsonarista e serve de munição para falas golpistas do presidente. Em entrevista à Rádio Regional, de Eldorado (SP), Bolsonaro disse de novo que participará dos atos pró-governo em São Paulo e Brasília, que serão realizadas no Dia da Independência, e insistiu na suspeição do processo eleitoral.
"O que que é a alma da democracia? É o voto. O povo quer que você, ao votar, tenha a certeza de que o teu voto vai para o João ou para a Maria. Não quer que, num quartinho secreto, meia dúzia de pessoas conte os seus votos", disse o presidente.
Bolsonaro insistiu ainda em falar de um ataque de hackers ao sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2018, motivo pelo qual já é investigado pelo STF por vazamento de informações sigilosas.
Segundo a corte eleitoral, porém, nunca houve fraude no sistema de apuração das urnas eletrônicas nem os votos são apurados de forma secreta.
"A gente espera que tenhamos eleições limpas, democráticas e com contagem pública de votos no ano que vem. Não podemos conviver com essa suspeição", afirmou o presidente.
Bolsonaro chegou a prometer reduzir a pressão pela mudança no sistema eleitoral, segundo o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o que não ocorreu. Lira, por sua vez, foi cobrado por aliados por ter confiado na promessa.
Mesmo depois de a PEC (proposta de emenda à Constituição) ter sido reprovada na comissão especial, o presidente da Câmara a levou para o plenário. Lá também foi derrotada, mas trouxe grande desgaste a deputados. Para ser aprovada, a PEC precisava do apoio de 308 parlamentares. Teve 229 favoráveis e 218 contrários.
Já a investigação de Bolsonaro pelo suposto vazamento do caso de hackers foi determinada por Moraes, que acolheu acolheu a notícia-crime do TSE.
Moraes já havia decidido incluir o presidente como investigado por causa da transmissão de uma live em que prometia comprovar supostas fraudes nas urnas eletrônicas, mas, ao final, apresentou apenas um compilado de relatos já desmentidos pelo TSE.
Na entrevista, Bolsonaro saiu em defesa de apoiadores alvo de investigações. Ele citou uma "caça às bruxas" ao criticar ainda prisões decretadas por Moraes, como a do deputado afastado Daniel Silveira (PTB-RJ), do blogueiro Oswaldo Eustáquio e, mais recentemente, do presidente do PTB, Roberto Jefferson.
Todas as prisões foram determinadas por Moraes por ser relator dos inquéritos de fake news e dos atos antidemocráticos -este último acabou extinto, transformando-se numa nova linha de investigação de notícias falsas.
"A gente não pode aceitar passivamente isso dizendo "ah, não é comigo". Vai bater na sua porta", disse o presidente nesta manhã, sem detalhar o que significaria não "aceitar passivamente".
Mais tarde, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse que está conspirando para que todos cumpram a Constituição. Ele não deu detalhes sobre que tipo de trama está elaborando ou se a declaração era resposta irônica aos críticos de suas investidas, por exemplo, contra as eleições de 2022 e o Judiciário.
"Só tenho uma coisa a falar. Estou conspirando, sim, e muito. Para que todos cumpram a nossa Constituição, ok? Essa é a minha conspiração. Cumpram a Constituição, só isso", disse Bolsonaro.
O pedido de impeachment de Moraes, segundo aliados do Planalto, foi "acelerado" por Bolsonaro como resposta à operação da Polícia Federal que teve como alvo, na sexta-feira, o cantor sertanejo Sérgio Reis e o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ). Ambos são aliados de Bolsonaro.
As medidas foram solicitadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e autorizadas por Moraes.
O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), STF, STJ (Superior Tribunal de Justiça), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e entidades de juízes e procuradores reagiram ao pedido de impeachment.
Em paralelo cresceu a mobilização pelo 7 de Setembro para mostrar força.
Nesta segunda, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o coronel Aleksandro Lacerda, comandante de sete batalhões de PM do interior paulista, fez postagens convocando amigos para o ato bolsonarista da próxima semana. Nas redes sociais, aliados do presidente saíram em defesa do coronel, que foi afastado.
Em meio a esse clima, governadores de estados realizaram uma reunião na manhã desta segunda e decidiram atuar conjuntamente para tentar harmonizar a relação entre os Poderes. Eles pediram uma reunião com Bolsonaro na próxima semana.
"O objetivo é demonstrar a importância de o Brasil ter um ambiente de paz, de serenidade onde possamos garantir a forma de valorização da democracia, mas principalmente criar um ambiente de confiança que permita atração de investimentos, geração de empregos e renda", disse o governador do Piauí, Wellington Dias (PT).
A reunião do Fórum dos Governadores já estava prevista, mas de última hora teve incluída na pauta a possibilidade de uma ruptura institucional.
Além de Ibaneis Rocha (MDB-DF) e Dias, que estavam no Palácio do Buriti, em Brasília, outros 22 governadores, entre eles o de São Paulo, João Doria (PSDB), participaram de forma remota.
A postura de Bolsonaro, que apresentou pedido de impeachment de Moraes, foi criticada por governadores.
"Foi uma proposta de consenso de todos nós, governadores, pela nossa disparidade de posições políticas e partidárias, mas, pela harmonia que temos no nosso grupo, nós temos condições de ajudar nessas relações", afirmou Ibaneis.
Durante a reunião, houve resistência da parte de alguns governadores a adotarem uma postura de maior confronto com Bolsonaro, segundo alguns presentes no evento.
Mesmo tendo rompido com o presidente da República, Carlos Moisés (sem partido), de Santa Catarina, foi um dos que se posicionaram contra uma medida mais enfática.
Além de Moisés, também se posicionaram de maneira contrária a uma carta em repúdio aliados de Bolsonaro, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), e o de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
"O que nós devemos fazer é defender a democracia, Moisés, e não silenciar diante das ameaças que estamos sofrendo constantemente", reagiu Doria.
O governador paulista havia sido o defensor de elaborarem a carta às ações recentes de Bolsonaro. Uma parte dos presentes, no entanto, argumentou que a medida apenas serviria para acirrar os ânimos.
Em mais um sinal de cautela, os pedidos de reuniões serão encaminhados a todos os chefes dos Poderes e não apenas a Bolsonaro.
Segundo Dias, as cartas individuais solicitando os encontros e apresentando a agenda a ser discutida serão elaboradas até o fim desta semana, para que seja possível realizar as reuniões já na próxima semana.
Serão encaminhados ofícios para o presidente da Câmara e do Senado, respectivamente Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e também para o presidente do STF, ministro Luiz Fux.
Apesar de o colegiado de governadores torcer pela trégua na relação entre os Poderes, reservadamente, não são todos que acreditam ser possível.
Um deles disse à Folha de S.Paulo que a tentativa de conciliação se faz necessária até para, depois, ter o argumento de tentativa e frustração para os que ainda não se convencem da falta de diálogo. Apesar da descrença, disse que participaria da reunião.
Por outro lado, quem torce por uma melhora na relação aposta as fichas em Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil e que se define como "amortecedor".
A leitura é de que ele será capaz de convencer o presidente a baixar a temperatura e encontrar os governadores por mais diálogo.
Outro item de preocupação abordado durante a reunião foi a atuação de policiais militares durante a crise institucional no país.
Os governadores então assumiram um compromisso público e formal de que as corporações não serão usadas politicamente.
Ibaneis foi questionado especificamente sobre a atuação da PM do Distrito Federal durante os protestos de 7 de Setembro. Respondeu que ele e seu comandante têm total controle sobre a corporação.
Para incentivar mobilizações em São Paulo pró-governo federal, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) lembrou da demanda de aumento salarial da corporação e criticou a medida do governo paulista de pôr uma câmera no uniforme dos agentes. Com as ações filmadas, a PM de São Paulo atingiu a menor letalidade em oito anos. A novidade, contudo, enfrenta resistência entre policiais.
"[João Doria] Já não tem moral com a tropa e ainda faz ameaça. Isso só faz crescer os atos para 7 de Setembro", inflamou o filho do presidente.
A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), uma das principais aliadas de Bolsonaro, chamou o governador de "DitaDoria". Ambos os deputados usavam a hashtag para convocação do ato de 7 de Setembro.
Colaborou Mateus Vargas