Marcelo Rocha e Matheus Teixeira, FOLHAPRESS
A Corregedoria Nacional de Justiça instaurou nesta terça-feira (3) apuração sobre a conduta do juiz Rudson Marcos, do TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), na audiência do processo criminal movido pelo Ministério Público contra o empresário André de Camargo Aranha, acusado pela influenciadora digital Mariana Ferrer de estuprá-la em dezembro de 2018.
A reclamação disciplinar, nome dado ao procedimento da corregedoria, pode resultar na abertura de um PAD (processo administrativo disciplinar) contra o magistrado.
O empresário André Aranha foi absolvido do crime no último dia 9 de setembro pelo juiz Rudson Marcos, titular da 3ª Vara Criminal de Florianópolis.
A audiência do caso repercutiu pela forma como a jovem foi tratada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor de André Aranha, e motivou apuração também em outras instâncias. O vídeo da audiência foi revelado pelo site The Intercept Brasil.
Quando à conduta do promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira, responsável por argumentar a tese de estupro culposo, no sentido de que não teria havido dolo (intenção) do acusado, a Corregedoria Nacional do Ministério Público instaurou uma reclamação disciplinar.
A abertura da apuração na Corregedoria Nacional de Justiça atendeu a um pedido do conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Henrique Ávila. "O que nós assistimos foi algo repugnante. É preciso que o órgão correicional apure os fatos", defendeu Ávila.
O juiz Rudson Marcos aceitou a argumentação da defesa e do Ministério Público local que não houve dolo na ação do réu. Por não existir na lei, a figura de estupro culposo não pode levar alguém à condenação.
Ávila encaminhou um ofício à corregedora no qual criticou a condução da audiência de instrução e julgamento conduzida por Marcos.
"As chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual", disse.
O conselheiro afirmou que é inadmissível que a vítima seja humilhada pelo advogado do réu sem que o juiz tivesse reagido ou repreendido a postura da defesa.
"O magistrado, ao não intervir, aquiesce com a violência cometida contra quem já teria sofrido repugnante abuso sexual. A vítima, ao clamar pela intervenção do magistrado, afirma, com razão, que o tratamento a ela oferecido não é digno nem aos acusados de crimes hediondos."
A corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, requisitou informações sobre a existência de eventual apuração do caso junto à Corregedoria Geral do TJSC.
Em 9 de outubro, a Corregedoria Nacional do Ministério Público instaurou uma reclamação disciplinar para apurar supostas irregularidades por parte de integrante da promotoria em SC.
A investigação, instaurada com base em representação feita pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta comandada por Damares Alves, tramita em sigilo.
Em nota divulgada nesta terça, o ministério manifestou "veemente repúdio ao termo ´estupro culposo´" e que acompanhará o recurso interposto pela influenciadora.
A seccional catarinense da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pediu esclarecimentos ao advogado. O pedido antecede eventual abertura de processo ético disciplinar.
Em nota, a Comissão OAB Mulher RJ defendeu que as condutas do advogado de defesa do réu, do promotor e do juiz sejam investigadas. Afirmou ainda que a aplicação de tipos penais inexistentes no ordenamento jurídico é uma decisão que afeta todas as mulheres.
"Mulheres sofrem situações de violência diariamente e muitas vezes o rompimento do ciclo de violência e a denúncia de agressões se dá, dentre outros motivos, por situações como esta, que evidenciam a manutenção do machismo e a revitimização da mulher em nossa sociedade", diz o texto.
Nesta terça-feira, o ministro Gilmar Mendes classificou as cenas da audiência como "estarrecedoras", em uma rede social. "O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação", afirmou.
Ele também disse que os envolvidos devem ter a conduta investigada e, sem mencionar o juiz, citou a omissão dos presentes. "Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram", ressaltou.
"Humilhação", disse nas redes sociais a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, após assitir ao vídeo da audiência. "Advogado e juiz rasgaram lei e desonraram Justiça. MP alegou estupro culposo, tipificação inexistente. Réu absolvido."
A parlamentar cobrou apuração dos órgãos competentes. "Cuspida na cara das brasileiras, que exigem respostas: OAB, código de ética. CNMP e CNJ, investigação e punição exemplar."
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou na noite desta terça a aprovação de uma nota de repúdio sobre o caso, a partir de um requerimento apresentado pelo colega Fabiano Contarato (Rede-ES).
"Essa sentença desonra a nossa sociedade. Esperamos que o Judiciário apure a responsabilidade dos agentes envolvidos", disse Alcolumbre."Que a Justiça brasileira seja instrumento de acolhimento, jamais de humilhação."