Gustavo Uribe e Daniel Carvalho, da Folhapress
No início deste mês, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) orientou uma youtuber de dez anos a fazer uma pergunta ao vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) durante uma reunião ministerial.
"Você quer ser presidente?", questionou a garota. "Em hipótese alguma", respondeu o general da reserva, sob risos da equipe ministerial.
Assessores palacianos não viram o episódio apenas como uma brincadeira, mas como um recado.
Segundo eles, nas últimas semanas, Bolsonaro vinha demonstrando incômodo com o fato de Mourão ter retomado o hábito de conceder entrevistas diárias sobre questões variadas do governo.
O que mais desagradou o presidente foi declaração do general sobre o leilão do 5G.
Em entrevista à agência de notícias oficial do governo chinês, no começo de setembro, o vice-presidente disse que o Brasil não distingue as empresas que participam do processo pelo seu país de origem. A multinacional chinesa Huawei é uma das principais interessadas no certame.
No dia seguinte à divulgação da entrevista, Bolsonaro fez questão de deixar claro, em live nas redes sociais, que quem decidirá sobre o processo de escolha é ele.
"Vou deixar bem claro. Quem vai decidir 5G sou eu. Não é terceiro. Ninguém dando palpite por aí, não. Eu vou decidir o 5G."
O desconforto com o general não é o primeiro episódio em que o presidente trava uma disputa pública pelo protagonismo de sua própria gestão.
Conhecido pelo estilo centralizador e personalista, Bolsonaro acumula desgastes políticos causados pela tentativa de evitar que auxiliares presidenciais tenham mais visibilidade que ele.
Sempre que tem a oportunidade, o presidente costuma repetir à equipe ministerial que ele é quem tem a palavra final em todas as decisões do governo.
Ele já pediu mais de uma vez, segundo relatos de assessores, que ministros e secretários evitem encontros ou entrevistas à imprensa, já que cabe a ele próprio ser o porta-voz de sua própria gestão.
Para evitar uma indisposição, após testemunharem quedas de colegas justamente por terem disputado espaço com o presidente, muitos assessores do governo adotaram como hábito consultar previamente o Palácio do Planalto antes de confirmarem entrevistas, sejam elas exclusivas ou coletivas.
A ordem é também para que os anúncios de medidas positivas sejam centralizados em Bolsonaro. Com o receio de retaliações, tornou-se comum que auxiliares do governo apontem para o retrato do presidente, presente nos gabinetes oficiais, para justificar restrições na divulgação de medidas.
O código de conduta para garantir o protagonismo de Bolsonaro é chamado de "lei do silêncio".
"[Em] algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, tem provocações", reclamou o presidente em abril, em conversa com um grupo de religiosos transmitida pela internet.
A ordem de silêncio foi repetida na semana retrasada, em reunião do presidente com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Em encontro no Planalto, Bolsonaro pediu a Guedes para orientar os secretários da pasta a não darem entrevistas sobre iniciativas em estudo.
A solicitação foi feita após o presidente ter decidido extinguir o Renda Brasil, programa social que substituiria o Bolsa Família, o que elevou o desgaste entre Bolsonaro e Guedes.
O presidente se irritou com entrevistas de secretários da equipe econômica sobre a iniciativa. Em conversas reservadas, ele disse que os assessores do governo queriam aparecer às custas da medida.
No episódio, o presidente ameaçou a equipe econômica com "cartão vermelho" e determinou restrição no contato com a imprensa, inclusive de Guedes, o que ficou evidente na ultima quarta-feira (23).
O titular da Economia foi orientado pela equipe de articulação política a não responder perguntas de jornalistas em pronunciamento para lançar a ofensiva pela criação da nova CPMF.
Um assessor palaciano explica que, diante do grande volume de informações que chega ao presidente diariamente, é recorrente que ele avalize uma medida, mas não se recorde de sua conivência e se surpreenda ao ver o assunto estampado no noticiário.
De acordo com auxiliares, há ainda assuntos que chegam de maneira enviesada e genérica ao chefe do Executivo, o que o leva a se irritar quando descobre pela imprensa aspectos de determinado projeto que não foram apresentados a ele na totalidade.
Bolsonaro demonstra incômodo até mesmo com auxiliares que não têm status de ministro, caso do general Otávio Rêgo Barros, que atuava como porta-voz do governo desde o início do mandato do presidente. Com aparições diárias na mídia, foi exonerado, e a função foi extinta.
Inicialmente, Bolsonaro esvaziou o papel do general e mudou o formato do briefing diário. O militar deixou de responder a perguntas de repórteres e passou a apenas ler um informe oficial.
Mesmo com a alteração da função, que rendeu a Rêgo Barros o apelido de "porta-notas", Bolsonaro interrompeu as leituras semanais.
Outro militar que causou incômodo ao presidente pelo destaque que ganhou nos meios de comunicação foi o ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos dos Santos Cruz. O também general foi demitido após ter, na visão de Bolsonaro, contrariado a ordem presidencial de evitar contatos com a imprensa.
Em junho do ano passado, quando Bolsonaro protagonizava recorrentes ataques a veículos de comunicação, Santos Cruz adotava uma postura cordial com jornalistas, o que lhe rendia comentários positivos. Segundo assessores, os elogios ao general enciumaram o presidente.
Bolsonaro também afastou do governo outro auxiliar que fez contraponto público a ele.
Em abril, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deixou a pasta após ter resistido a criticar o isolamento social e a defender a prescrição da hidroxicloroquina no estágio inicial de contaminação pelo novo coronavírus. A substância não tem eficácia ou segurança comprovadas.
A postura do ministro, em sintonia com as orientações das autoridades de saúde, aumentou a popularidade de Mandetta, como mostraram pesquisas de opinião, e lhe renderam elogios públicos de governadores e prefeitos, o que deixou Bolsonaro incomodado.
Segundo assessores presidenciais, além de ter dificuldades em aceitar que ministros tenham mais destaque que ele, Bolsonaro não costumar aceitar declarações de auxiliares que contrariam suas posições públicas.
"Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu", disse o presidente, no ano passado. "Eu tenho poder de veto. Ou vou ser um presidente banana agora?", indagou à época.