Artur Rodrigues, FOLHAPRESS
Os investimentos na área da saúde caíram nos últimos anos no estado de São Paulo durante a gestão do governador João Doria (PSDB).
Os investimentos são aquilo que se gasta com obras, compra de equipamentos e outras melhorias que não incluem as despesas fixas -como pagamento de salários e aposentadorias e desembolsos com custeio em geral.
A reportagem levantou os dados de investimentos em saúde no estado desde 2011. Entre 2011 e 2018, durante as gestões de Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB), a média anual de investimentos feitos pela Secretaria da Saúde foi de R$ 1,054 bilhão, em valores corrigidos. Nos dois primeiros anos do governo Doria, essa média caiu para R$ 811 milhões -uma quantia 23% menor.
Mesmo que a gestão invista todo o valor previsto em 2021 (de R$ 1,175 bilhão), a média de investimentos, ainda assim, ficará abaixo dos anos anteriores. A tendência, porém, é que nem mesmo isso aconteça, uma vez que o governo usou até agora apenas 31% desse valor.
A administração argumenta que durante o período da pandemia fez uma série de aumentos de gastos que não são considerados investimentos, como a criação de leitos temporários, mas que vão trazer benefícios de longo prazo para a população. O governo disse ainda que a diminuição dos investimentos em 2019 foi necessária por causa de um ajuste nas contas.
Para especialistas, porém, o indicador de investimento é importante para se avaliar o uso do dinheiro público. Segundo alguns deles, quando há aumento de gastos que não são investimentos, isso em geral significa que a verba foi repassada a organizações sociais -o que não traria legados permanentes para a saúde estadual, que já é bastante carente de serviços, e dificultaria o acompanhamento.
Mesmo quando se fala em despesas gerais em saúde e não apenas de investimento, elas caíram no estado em 2019, primeiro ano da gestão Doria.
Em 2020, o orçamento também previa um valor abaixo do que foi gasto em anos anteriores. Só que a pandemia mudou o cenário e a administração estadual registrou um gasto de R$ 28,7 bilhões no ano passado, o maior em saúde ao menos desde 2011.
Apesar desse aumento dos gastos gerais, o percentual de investimento em 2020 representou apenas 3% do total das despesas -um aumento em relação aos números de 2019, mas abaixo dos 4% da década anterior.
Na divisão de obrigações na área da saúde pública, os municípios ficam com a chamada atenção primária, que inclui atendimentos como unidades básicas de saúde. Já o estado fica com as demandas secundárias e terciárias.
Ambulatórios de atendimento especializado, por exemplo, se encaixam na atenção secundária. Já os hospitais de ponta são o atendimento terciário.
Walter Cintra Ferreira, médico sanitarista e professor de gestão de serviços de saúde da FGV EAESP, diz que há um problema de subfinanciamento do SUS, o Sistema Único de Saúde. Embora o setor terciário ainda tenha alguns problemas no estado, ele considera que é no secundário que está o maior gargalo.
"Nós temos no estado de São Paulo uma grande deficiência na atenção secundária, seja do ponto de vista atenção especializada, ambulatorial, como também na atenção hospitalar. Essa é uma função necessariamente do governo do estado", diz Ferreira. "Tem filas de procedimentos para cirurgias de hérnia, catarata, próteses ortopédicas, existe um gap e uma fila de espera", afirma.
Para o médico é preocupante haver queda do investimento diante dessa situação. "No mínimo você tem uma questão que é a reposição dos equipamentos, renovação do parque tecnológico, não dá para a gente dizer que está numa situação confortável", diz.
Parte da atenção terciária no estado são os hospitais das clínicas. Eles tiveram queda nos investimentos no ano da pandemia e, de acordo com o orçamento de 2021, não devem retornar aos patamares anteriores.
Por exemplo, em 2019, o Hospital das Clínicas da USP teve investimento acima de anos anteriores, na casa dos R$ 76 milhões. Esse valor caiu para R$ 7 milhões em 2020. Neste ano, o reservado atualizado para investimento no hospital é de R $35, milhões -dos quais apenas R$ 12 milhões foram de fato usados até o momento.
O HC inclui institutos especializados que estão entre os principais do Brasil, como o InCor (Instituto do Coração) e Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo). A reportagem apurou que, neste último, funcionários têm se queixado de dificuldades financeiras e estruturais, por exemplo.
Victor Dourado, presidente do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), afirma que o país como um todo vive um processo ao longo dos anos de diminuição nos investimentos em saúde pública, o que levou a problemas de infraestrutura.
Na visão dele, com o cenário de diminuição dos investimentos no setor, a perspectiva é que o sistema público fique ainda mais pressionado nos próximos anos. "Se a gente está assim agora, imagina com a progressiva incorporação de mais pessoas [dependentes do SUS]. Com aumento de sequelas pós-pandemia, a demanda represada, as cirurgias eletivas. A gente atualizou o conceito de colapso", diz Araújo.
O médico também critica a escolha do governo de um progressivo aumento de repasses a organizações sociais. Para ele, isso leva a uma precarização da estrutura estatal. "Você aumenta o recursos dessas empresas, que cada vez mais funcionam como empresas privadas de fato", disse. "No final da pandemia, não foi deixado nada de legado. Os recursos utilizados foram convênios para as OSs e o saldo para o serviço público não existe".
O economista Lucas Andrietta, professor do departamento de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP, afirma que o investimento continua sendo uma variável muito importante para se analisar tanto a gestão da saúde quanto o subfinanciamento que atinge a área no Brasil.
"São Paulo tem tendência de aumentar despesa para entidades privadas, como organizações sociais, e isso vem substituindo ano a ano a contração de servidores, e reflete também no indicador de investimentos. É um movimento preocupante, porque organizações sociais são um modelo que avançou muito, mas com uma série de problemas", diz. Ele cita, por exemplo, a dificuldade de acompanhar estas entidades do ponto de vista da transparência.
Para o economista, outro ponto preocupante é a falta de uma sinalização por parte dos estados de um aumento nos investimentos para se adequar estruturalmente ao aumento da demanda do SUS no pós-pandemia. "Existe tendência de queda da despesa da saúde. Essas novas necessidades que a pandemia trouxe vão acabar ficando sem recursos para serem atacados corretamente".
OUTRO LADO
O secretário-executivo de Saúde do governo de São Paulo, Eduardo Ribeiro, afirmou que a oferta de serviços na área aumentou, embora nem sempre por meio de investimento.
"A forma como o governo do estado vem implementando investimento em estrutura de enfrentamento da pandemia se dá de forma menos tradicional do que vinha sendo feito", afirma.
Como exemplo, ele afirma que antes da pandemia para abrir 300 leitos de UTI em um grande hospital de São Paulo, o governo estadual tinha antes que comprar toda a estrutura necessária e adequar as salas que seriam utilizadas.
Já na pandemia, ele disse que a opção foi por alugar os equipamentos e contratar os serviços de maneira temporária. "Isso fez com que grande quantidade de recursos fossem empregados em novos serviços sem que isso se desse da rubrica de investimento", disse ele. "A gente faz movimentos que reduzem o investimento tradicional ao mesmo tempo que ampliam a oferta", completou.