“As mulheres ainda hoje recebem menos dinheiro dos partidos para fazerem suas campanhas. E as pessoas que vão decidir quem vão ser os candidatos para onde vão os recursos do partido são, majoritariamente, homens e brancos”, afirma a docente.
Apesar de os partidos serem obrigados a destinar 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidaturas de mulheres, o aumento na proporção de candidatas não tem se refletido no aumento da porcentagem de mulheres eleitas. Tanto é que, em 2020, as mulheres foram 16,1% do total de vereadores eleitos no Brasil e 12,1% do total de prefeitos eleitos.
Segundo Beatriz, o problema começa dentro dos próprios partidos, que encontram diversas formas de burlar a regra dos 30%. “Nenhuma regra diz que esses 30% têm que ser igualmente distribuídos para todas as candidatas. Então, os partidos podem dar tudo para uma mesma candidata e deixar todas as outras sem nenhum recurso”, conta a docente.
Outra prática comum é destinar a verba para a campanha majoritária. “Você lança uma mulher como vice numa chapa majoritária e tem um homem na cabeça de chapa. Aquele investimento é considerado como investimento em uma candidatura feminina”, diz a pesquisadora.
Em maio deste ano, o TSE aprovou a Súmula 73, que trata da caracterização de fraudes à cota de gênero. A norma orienta partidos políticos, federações, candidatas, candidatos e julgamentos da própria justiça eleitoral para as eleições deste ano. Entre outros pontos, a súmula do TSE estipula como critérios para identificar fraudes a votação zerada ou inexpressiva, a ausência de movimentação financeira relevante da candidatura e a ausência de atos efetivos de campanha.
São características das chamadas candidaturas laranjas. “São candidaturas lançadas sem nenhum apoio financeiro do partido, apenas para cumprir a cota. Há inclusive casos de mulheres lançadas candidatas sem ao menos saberem disso”, diz Beatriz.
A professora da USP destaca ainda exemplos de mau uso da propaganda eleitoral: “A gente tem visto aqueles santinhos que usam na propaganda política, que colocam um homem bem grande de um lado e uma mulher, bem pequenininha”. Ela explica que os partidos são obrigados a cumprir a porcentagem mínima de 5% de participação feminina também em todo o material de propaganda. “Considerando que as mulheres são metade da população, é uma coisa muito desproporcional”, aponta.
Menos tempo, menos capital político
Para além do financiamento, outros fatores institucionais e culturais fazem com que o crescimento da participação das mulheres na política avance em marcha lenta. A própria divisão sexual do trabalho pesa contra a participação das mulheres. Segundo o IBGE, em 2022 as mulheres brasileiras gastaram, em média, 9,6 horas a mais do que os homens com afazeres domésticos e trabalho de cuidado. Para elas, sobra menos tempo para o lazer, para a atividade física e também para participar da política.
Outro fator relevante é o sistema de votação adotado no Brasil nas eleições proporcionais, que são aquelas que elegem vereadores, deputados estaduais e deputados federais. É sobre elas que a cota de gênero incide. “O nosso sistema eleitoral é um sistema de lista aberta, o que significa que as pessoas votam em candidatos individualmente. Isso faz com que a questão do capital político tenha uma importância muito grande. Por terem menor capital político, as mulheres acabam tendo menor visibilidade para o eleitorado”, destaca Beatriz.
A pesquisadora afirma que países como Costa Rica, Argentina e México conseguiram atingir ou se aproximar da paridade de gênero em seus parlamentos utilizando o sistema de lista fechada. Nesse sistema de votação, os eleitores não votam em um candidato individual, e sim na legenda do partido. “São países que adotam o sistema de lista fechada com alternância de gênero. O que significa que a lista do partido tem um homem, uma mulher; e você vota nessa lista já pré-ordenada com o critério da paridade”, explica.
Vale lembrar que a sub-representação das mulheres na política é um problema global. Mensalmente, a União Interparlamentar computa os dados de participação feminina nos parlamentos de mais de 180 países. Na atualização de 1º de setembro do ranking IPU Parline, somente seis países têm 50% ou mais das cadeiras de suas câmaras baixas ocupadas por mulheres. O Brasil figura na constrangedora 132ª posição do ranking, a pior da América Latina, com 17,5% de participação feminina na Câmara dos Deputados e 17,3% no Senado.