Daniel Carvalho e Danielle Brant, FOLHAPRESS
O governo Jair Bolsonaro (PSL) cedeu e concordou em desmembrar um ministério para recriar outras duas pastas com indicações políticas na tentativa de aprovar a medida provisória da reforma administrativa no Congresso.
Mesmo assim, enfrenta resistência de partidos do chamado centrão, que colocam em risco os planos do presidente para a configuração da Esplanada e para manter a estrutura do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) na pasta da Justiça, conforme reivindicação do ministro Sergio Moro.
O relator da MP, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse nesta terça que, após debate com Bolsonaro e com Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, foi definida a estratégia de desmembramento do Ministério do Desenvolvimento Regional em duas pastas, Cidades e Integração Nacional, no texto proposto por ele e que ainda precisará passar pelo Senado e pela Câmara.
“[Com o desmembramento] se cria um ambiente de maior diálogo, de aproximação e de harmonização entre o Congresso Nacional e o Poder Executivo”, disse Bezerra.
Esses dois ministérios representam clássicos do fisiologismo em governos anteriores –que, na campanha, Bolsonaro prometeu sepultar.
Um articulador do Palácio do Planalto disse reservadamente à reportagem que a ideia é que estas pastas sejam comandadas por políticos para tentar atenuar as dificuldades do Executivo no diálogo com congressistas –condição que também coloca em risco a reforma da Previdência.
Atualmente, apenas integrantes de DEM, MDB, Novo e PSL são ministros, mas tanto as siglas como o governo negam indicação partidária.
Bolsonaro depende da aprovação da medida provisória da reforma administrativa até dia 3 de junho, quando ela expira. Se caducar, a estrutura do governo implantada desde janeiro terá que ser desfeita.
Na campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu reduzir para 15 as pastas com status ministerial –havia 29 na gestão de Michel Temer (MDB). Na prática, foram mantidas 22.
Bezerra Coelho, líder do governo no Senado e ministro da Integração Nacional na gestão Dilma Rousseff (PT), disse que, mesmo com os novos ministérios, a intenção é manter posteriormente esse número com a aprovação da autonomia do Banco Central –que perderia status ministerial.
O principal atrativo das novas pastas, para os políticos, são os cargos em Brasília e nos estados, loteados entre os apadrinhados, e a condução da execução das emendas parlamentares, que é o dinheiro do Orçamento direcionado para obras e investimentos nos redutos eleitorais dos congressistas.
A pasta das Cidades foi criada por Lula em 2003 e, em meio à crise do mensalão em 2005, foi entregue ao PP em troca de apoio político. A da Integração Nacional também foi entregue por Lula em 2007 ao MDB em troca de apoio político, chegou a ir para as mãos do PP por um período, mas voltou ao MDB no governo Michel Temer.
Apesar de Bolsonaro ter cedido e aceitado a criação dos ministérios no relatório da reforma administrativa, ainda corre risco de a medida não ser aprovada na comissão especial que analisa a MP.
A sessão desta terça foi suspensa, deve ser retomada nesta quarta-feira (8), mas parlamentares do centrão ainda negociam outras mudanças para postergar a votação.
O centrão é formado por partidos que, apesar do discurso geral de apoio ao governo Bolsonaro, não têm se alinhado automaticamente ao presidente. São associados por bolsonaristas como a “velha política”. Inclui parlamentares do DEM, PP, PSD, PR, PTB, PRB, Pros, Podemos, Solidariedade, entre outras siglas menores –na Câmara, somam cerca de 200 dos 513 deputados federais.
Parte do grupo não quer a atender ao pleito de Moro para a manutenção do Coaf no Ministério da Justiça.
“Esta matéria é polêmica. Existem posições divergentes que estão sendo aclaradas”, afirmou Bezerra. “Eu diria que hoje o placar está bem apertado na comissão. Nós estamos trabalhando para ganhar por um ou dois votos”, completou, citando a expectativa de ter votos de ao menos 15 dos 28 membros da comissão.
Um dos principais entraves é a interpretação, por alguns parlamentares, de que manter o Coaf nas mãos de Moro poderia provocar uma superconcentração de poderes com o ex-juiz. Criado em 1998, o Coaf é um órgão de inteligência financeira que recebe informações de setores obrigados por lei a informar transações suspeitas de lavagem de dinheiro, como bancos e corretoras, e encaminha os casos ao Ministério Público.
Durante a crise do Mensalão, ofícios do Coaf entregues à CPI dos Correios indicaram saques do esquema de pagamentos à base do governo petista. Mais recentemente, o órgão identificou movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
O relatório que analisa a reforma administrativa de Bolsonaro também propõe outras 17 alterações na medida provisória que trata do tema.
O texto de Bezerra Coelho estabelece a devolução da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Justiça, deixa o Ministério da Economia com a responsabilidade sobre registro sindical e altera uma lei para limitar o poder de investigação de auditores da Receita Federal. Além disso, acaba com a fiscalização do governo sobre as ONGs.
Já a demarcação de terras indígenas permaneceria com o Ministério da Agricultura.
O líder do governo no Senado aproveitou a MP para alterar uma lei de 2002 que veda a investigação de crimes não fiscais por auditores fiscais.
“A gente precisa dar limites para não haver a exacerbação do exercício de determinados poderes. Tem ocorrido a extrapolação na atuação de fiscais da Receita Federal que fogem de sua competência”, afirmou Bezerra Coelho, em referência a recente polêmica de vazamento de ações de fiscalização sobre autoridades, incluindo o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes.