Por Vanderlei Testa
Uma casa antiga. Uma janela romântica de poesia. O olhar do avô e da neta Marilda no registro da máquina fotográfica com seu filme de rolo em preto e branco. Década de 50. Piracicaba, no estado de São Paulo.
O avô Ferrucio, pai de minha mãe, veio da Itália com três anos de idade. Minha avó Rosa também e tinha a mesma idade. Meus bisavôs, Luiz Modolo e Anna Buziolli Modolo e Jacob Macari e Carolina Cavalli Macari os trouxeram de Treviso e Mantoa. Na mesma casa, a avó Rosa, com suas vestes e feições marcadas pela vida dura que teve dos canaviais, registram na história da família um momento ao qual muito me orgulho de fazer parte dessa família.
Ferrucio Macari e Rosa Modolo. Pena que naquele tempo só ficava no registro civil o nome da descendência paterna. Gostaria de ter o Macari , o Modolo, Cavalli, Buziolli, no meu nome. Mesmo que ficasse longo. Sinto que em muitas famílias perde-se a ligação afetiva com as origens.
As novas gerações desconhecem essas raízes maternas e paternas das suas avós, bisavós e tataravós. Mantenho em um quadro no meu escritório essas imagens, bem como aquela em que eu estava com a minha sanfoninha ao lado do avô Ferrucio e da prima Marilda.
Éramos crianças felizes com um único presente no ano. O Natal fazia com que nossos pais se esforçassem em oferecer algo que nos tocasse o coração. Além do amor contido nos almoços com polenta e pão caseiro no café da manhã, como costume italiano, havia também aquele olhar sereno e aconchegante dos nonos.
Se as expressões de décadas atrás permanecem nas lembranças, mais ainda naquela “manjedoura” onde nascemos cercados de cantos de pássaros e de flores e folhagens cultivadas pelas mãos dos avós. Meus pais nasceram em Piracicaba. Seus irmãos também.
Eram treze irmãos por parte de pai (Regina, Helena, Chiara, Amélia, Luiz, Albina, Ana, Itália, Ernesto, Amália, Angelina, Henriqueta, Batista). E, nove irmãos de descendência de mãe (Etelvina, Páscoa, Ana, Maria, Carmela, Fortunato, Carolina, Luiz e Antonio)
Nasci em Sorocaba. Nós íamos para Piracicaba de trem da Estrada de Ferro Sorocabana. Saia às sete horas e chegava às quinze horas. Eram oito horas de viagem. Hoje demora uma hora de carro. Apenas 100 quilômetros.
Valia a pena ir olhando pela janela dos vagões as paisagens até Mairinque, Laranjal Paulista, Vila de Itaici (estação em Indaiatuba), Rio das Pedras, Tietê, e paradas até Piracicaba. Um trajeto inexplicável que a Maria Fumaça ia atravessando com seus apitos sonoros.
Aquelas malas marrons nas estações onde havia a chamada “baldeação” lembrava mais os filmes de imigrantes chegando ao Brasil. Curioso lembrar agora dos lanches preparados pela minha mãe para enfrentar a viagem. Era pão com mortadela, bolachas e bolo de fubá. Um piquenique no balanço do vagão de madeira. Para beber somente havia a garrafa de “taubaina” para ser dividida em cinco copos. E na chegada a Pira, o percurso era a pé mesmo. Meus avós moravam perto da estação, uns 30 minutos de caminhada.
A expectativa fazia bater forte o coração. Estar com os primos, tios, avós e depois passear na Vila Rezende perto do rio era bom demais. A energia positiva que irradiava naquele velho casarão, em seus cômodos de tijolos centenários com perfume de lírios da paz, somente era superada pelas orações que fazíamos nas refeições e nos pedidos na hora de dormir.
Esses pedidos se resumiam, nas palavras: benção vô, benção, vó! Benção mãe. Benção pai! E o sono vinha gostoso com as respostas: Deus te abençoe! Na manhã seguinte, o sol aparecia e tudo recomeçava com a alegria de uma família italiana feliz.
Vanderlei Testa é jornalista e publicitário
Escreve aos sábados no www.facebook.com/artigosdovanderleitesta e no site www.jornalipanema.com.br/opiniões