Por Lincoln Salazar
A Câmara de Sorocaba derrubou, na sessão desta quinta-feira (7), por 18 votos a 2, o veto do prefeito José Crespo (DEM) ao projeto de lei 147/2017, que obriga as escolas e creches municipais oferecerem alimentação aos professores, auxiliares de educação e funcionários das unidades de ensino de Sorocaba.
De autoria do vereador Vitão do Cachorrão (MDB), o projeto foi vetado pela Prefeitura, por vício de iniciativa, pela segunda vez, mesmo com a alteração, por meio de emenda, que permite o consumo dos alimentos excedentes da merenda.
Os vereadores discutiram o projeto de maneira acalorada, por quase uma hora (a íntegra da discussão pode ser vista abaixo).
O líder do prefeito na Câmara, Irineu Toledo (PRB), manifestou-se a favor do veto e começou a discutir com o autor do projeto, dizendo que professores têm emprego e benefícios, e que se fosse legal, o correto seria doar os alimentos para pessoas carentes, o que causou a manifestação de outros parlamentares. A petista Iara Bernardi (PT) chegou a mandar o colega calar a boca por ter “falado muita besteira”.
Vitão justificou o voto favorável à derrubada do veto. “É uma discussão que temos há dois anos nessa casa; os funcionários precisam se alimentar e encaminho voto pela derruba do veto. Os professores merecem se alimentar”.
Líder do governo na Câmara, Irineu posicionou-se a favor do veto, pois acredita que a Legislação Federal determina que a merenda escolar seja exclusiva para os alunos. “A legislação não permite que o professor se alimente com o alimento do aluno. Ele é para o aluno. Ponto! A licitação paga por prato sujo e o que sobra na panela não pertence à Prefeitura. É da empresa”.
O vereador do PRB seguiu dizendo que os professores têm um salário “muito abençoado”. “Vou fazer um projeto, ao invés de dar aos professores, que ganham bem, têm benefícios, ótimo convênio, aposentadoria integral, incorporação, vou fazer um projeto para que na próxima licitação a comida que sobrar na panela seja distribuído às pessoas carentes. Vamos dar para o pobre, que não tem nada para comer. Por que vai dar para o professor, que já ganha bem? Por que reduzir a carga horária do diretor para seis horas? Porque são funcionários públicos, querem isonomia”, destacou.
Ele foi rebatido por Vitão, que lembrou que o trabalho é feito e que a comida é jogada fora. Irineu seguiu dizendo que a medida seria “uma forma de aceitar pressão pelo sindicato”. “É proibido dar tanto ao professor quanto para o cidadão comum, que não tem dinheiro para nada. Não fazemos para as pessoas porque o Sindicato dos Professores tem uma força política grande, e o coitadinho lá não”, criticou o parlamentar.
Vitão rebateu a afirmação, pedindo respeito aos professores e auxiliares. “Temos que ter respeito com a categoria. O auxiliar de educação que troca a fralda da minha filha, ganha pouco, não ganha salário alto, não. O professor tem que estar junto na merenda, ensinar pra criança o que é uma fruta, e aí a criança quer ver o professor comendo e ele não pode comer”.
“O que você tem contra os professores, Irineu?”, questionou o parlamentar do MDB. “Ora, ele já tem o salário, tem o benefício da alimentação que recebe da Prefeitura, e ainda que comer a comida. Não dá”, disse Irineu. “Estão dizendo que eu não gosto de servidor público. Não é verdade. Eu não gosto do serviço que é ruim, é mau. Eles estão trabalhando, e temos 13 milhões de desempregados. Agora, vamos beneficiar quem já tem emprego, quem já tem convênio médico?”, continuou.
Os vereadores Fausto Peres (Podemos) e Hélio Brasileiro (MDB) também se manifestaram. Fausto apoiou o projeto de Vitão, enquanto Hélio ponderou sobre problemas constitucionais e que os vereadores podem responder judicialmente se derrubassem o veto. “Não vou votar em um projeto aqui, gerar mais custo para o Judiciário, e saber que não vai dar em nada, porque é inconstitucional e a Justiça vai derrubar”, salientou Brasileiro.
O vereador Anselmo Neto (PSDB) afirmou que falta bom senso para ser abordada a questão. “Tudo que a Prefeitura quer, ela pode. Se o Crespo acordar após um sonho com alguém almoçando, vai ter almoço e janta na escola. Não gosto deste discurso de fala populista, atacar os outros. Essa Casa não pode ficar o ano inteiro atacando servidor. Parece problema do passado de quem tentou prestar concurso e não passou. Eu tentei virar juiz e não consegui, mas não critico o juiz”. Ele também votou pela derrubada do veto de Crespo.
A vereadora Iara lembrou do trabalho da CPI da Merenda e as falhas no modelo licitado pela Prefeitura. “Tratamos a alimentação do professor como um ato educativo. Se o prefeito queria economizar, não deveria ter feito o que fez e renovar o contrato por mais um ano com a empresa investigada. É uma vergonha o que aconteceu. Ficamos seis meses aqui apurando, a secretaria ficou trabalhando pra mudar o modelo, e a conta de um professor a mais, um professor a menos, não faria a menor diferença. Mas continuou o modelo da máfia da merenda”.
Em um momento em que foi interrompida por Irineu, Iara chegou a mandar o líder do prefeito calar a boca. Após pedido do presidente Dini, ela retirou o pedido, mas seguiu afirmando que o colega já tinha falado muita besteira e atacado demais os servidores.
O vereador Rodrigo Manga (DEM) pediu uma participação com “boa vontade” do secretário de Relações Institucionais e Metropolitanas, Flávio Chaves, para estabelecer o diálogo e resolver o problema dos vereadores. Ao simular com o vereador Vitão qual seria seu posicionamento como prefeito, Manga foi ironicamente aplaudido pelos colegas. “Se um dia Deus permitir, isso vai acontecer na história de Sorocaba”, afirmou Manga, que, em outras oportunidades, já apontou ser pré-candidato a prefeito.
Com a derrubada do veto, o projeto será sancionado pelo presidente do Legislativo e publicado na imprensa oficial. A Prefeitura deverá, na sequência, entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) junto ao Poder Judiciário, para tentar derrubar a medida, segundo informações do líder do governo.
Histórico do projeto
Apresentado em maio de 2017, o projeto de lei recebeu parecer de inconstitucionalidade da Secretaria Jurídica da Casa e, em face disso, a Comissão de Justiça recomendou que fosse encaminhado para a oitiva do Executivo, que informou que a alimentação escolar se destina exclusivamente aos alunos da Educação Básica e, além deles, só fazem jus ao benefício da merenda os inspetores de alunos, auxiliares administrativos e secretários escolares.
De acordo com a Prefeitura, os demais funcionários, incluindo professores, diretores, vice-diretores, orientadores pedagógicos e auxiliares de educação perfazem jornadas de seis horas e, no entender da Prefeitura, oferecer-lhes alimentação iria ferir o princípio da isonomia em relação aos demais servidores públicos, que dispõem do benefício de refeição, mediante desconto de 3,5% sobre o salário-base, salvo para quem ganha acima de R$ 3.768,24, cujo desconto é integral. Com base nesses argumentos, o Executivo posicionou-se contrariamente ao projeto e a Comissão de Justiça, que havia solicitado a oitiva, também considerou o projeto inconstitucional por violar o princípio da separação de poderes.
Tentando contornar a inconstitucionalidade do projeto de lei, o autor apresentou substitutivo, modificando dispositivos da Lei 9.852, de 16 de dezembro de 2011, que regulamenta benefícios concedidos aos servidores, estabelecendo que a merenda dos professores será oferecida em refeitórios e espaços destinados a alimentação nas escolas e restringindo o benefício exclusivamente aos servidores com jornada diária mínima de oito horas, exceto os professores, funcionários e auxiliares de educação das unidades de ensino do município. O substitutivo também foi considerado inconstitucional. Retirado de pauta em 17 de abril, o projeto voltou a ser discutido em 28 de junho, quando recebeu a Emenda nº 1, do próprio autor, e saiu de pauta.
A emenda permite aos professores, auxiliares de educação e demais funcionários das instituições municipais de ensino consumirem os alimentos excedentes da merenda. Dessa forma, segundo justificou Vitão do Cachorrão quando da última discussão do projeto, o município não terá gastos adicionais ao oferecer merenda aos professores e demais funcionários. Entretanto, a Comissão de Justiça, em seu parecer, considerou que a referida emenda não foi capaz de sanar a inconstitucionalidade do projeto por vício de iniciativa, a exemplo do que já ocorrera com o substitutivo.
O projeto foi aprovado no fim do ano legislativo de 2018, e vetado pelo prefeito em 2019.