Danielle Brant, FOLHAPRESS
O combate à disseminação de fake news no Congresso passou a ter como objetivo não só a criminalização dos usuários, mas também a responsabilização de plataformas e redes sociais em que as informações falsas são divulgadas.
Projetos apresentados no Senado e na Câmara dos Deputados querem criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Os dois textos, um do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e outro dos deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), têm conteúdo semelhante e o mesmo fim: responsabilizar as redes sociais pela divulgação de notícias falsas e proibir o uso de robôs não identificados, empregados para disseminar as fake news.
Os projetos podem ser votados já nas próximas semanas.
Segundo Rigoni, a lei busca uma nova abordagem ao problema de divulgação de informações inverídicas, ao deslocar o foco da criminalização da prática para o efeito que essas notícias provocam. "Queremos diminuir a circulação de desinformação e informar mais as pessoas em relação ao que estão vendo."
Desde abril, quando foi apresentado, o projeto dos deputados já sofreu alterações. Na última terça-feira (26), uma nova versão foi protocolada, excluindo dos efeitos da lei provedores de aplicação que tenham menos de dois milhões de usuários registrados.
A proposta dos parlamentares é proibir na internet contas inautênticas, aquelas criadas para disseminar desinformação ou assumir identidade de terceiros para enganar o público.
O texto veda também robôs não identificados, para diferenciá-los dos usados por empresas para atendimento a clientes, por exemplo, e quer impedir redes de disseminação artificial que disseminem desinformação e conteúdos pagos não identificados.
São três os pilares em que a proposta dos deputados se ancora: transparência, combate aos robôs e contas inautênticas e as medidas para corrigir a disseminação de conteúdo falso.
No primeiro ponto, os provedores e plataformas precisam divulgar o que têm feito para combater as contas inautênticas e os robôs não identificados e também contra propagandas políticas patrocinadas não rotuladas, discurso de ódio e exploração infantil.
As informações sobre as ações tomadas deverão ser divulgadas toda semana, e as empresas terão que publicar relatórios trimestralmente sobre as providências adotadas, indicando o número de contas ativas e quantas foram derrubadas, por exemplo. Em períodos eleitorais, a prestação de contas se torna mensal.
O segundo eixo do projeto é o combate a disseminadores artificiais e contas inautênticas. Porém, afirma Rigoni, mais importante são as ações para impedir a atuação de robôs não identificados.
"Desinformação existe desde que tem gente no mundo, mas hoje, pelas redes sociais e pelos robôs, isso ocorre numa intensidade tão grande que nada consegue rebater", afirma. "Você vai tirar a gasolina da desinformação."
Um terceiro ponto são as medidas corretivas para que plataformas e redes sociais impeçam a disseminação das fake news. O projeto prevê que, se houver suspeita de que a publicação é falsa, a empresa deve enviar a informação para verificadores de fatos independentes.
Também deverá desabilitar os recursos de transmissão do conteúdo desinformativo para mais de um usuário por vez.
Se verificadores independentes identificarem o conteúdo como falso, a empresa precisará rotular o post como fake news. "Isso impede a desinformação de chegar a mais gente. E a plataforma ainda vai ter que enviar a informação correta para quem teve contato com a desinformação", diz o deputado.
Segundo Rigoni, a última versão do texto estabelece que isso é uma boa prática, e não obrigatório.
O projeto define também medidas a serem adotadas pelo WhatsApp e por outros prestadores de mensagens instantâneas. Eles devem limitar o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem a no máximo cinco usuários ou grupos -cada grupo só poderá ter até 256 membros.
Em período de propaganda eleitoral e durante situações de calamidade pública, como o atual pela pandemia do novo coronavírus, a mesma mensagem só poderá ser encaminhada a, no máximo, um usuário ou grupo.
O WhatsApp ou outro aplicativo de mensagem deverá excluir a conta de usuário que não declarar o uso de robôs caso o volume de movimentação e número de postagens seja incompatível com o uso humano.
As plataformas e redes sociais devem exigir que conteúdo patrocinado seja rotulado como tal e também identifique quem está pagando. O usuário deve poder acessar informações sobre quem financia o conteúdo -pessoa física ou jurídica- e também seus dados de contato.
Provedores de conteúdo ligados ao poder público devem ter mecanismo acessível para qualquer usuário reportar desinformação e usar as diretrizes de rotulação de conteúdos patrocinados promovidos pelo setor público.
O texto prevê ainda sanções a serem aplicadas a plataformas ou redes sociais que descumprirem a lei. As punições incluem advertência, com prazo para adoção de medidas corretivas, multa, suspensão temporária das atividades ou mesmo proibição de atuar no país.
Plataformas e redes sociais devem nomear mandatários judiciais no Brasil, aos quais serão dirigidos os processos decorrentes da aplicação da lei.
O projeto altera a lei de improbidade administrativa e inclui dispositivo que diz que se enquadra no ato ilegal a disseminação de desinformação, por meio de contas inautênticas, robôs ou redes de disseminação artificial de desinformação.
Desde que os projetos foram protocolados, os parlamentares foram bombardeados não só por aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas também por especialistas, que veem na regulamentação riscos à liberdade de expressão.
Para o senador Alessandro Vieira, as críticas são feitas por quem desconhece o projeto. "São manifestações de ignorância. Não se deram ao trabalho de ler o conteúdo", diz. "É a manifestação de quem vai perder uma ferramenta criminosa que eles usam muito claramente."
Rigoni também rebate as críticas e descarta qualquer afronta à liberdade de expressão no texto. "O projeto protege o marco civil da internet. Há especialistas receosos em relação à lei. A gente entende a crítica, mas não achamos que tem lastro na lei que a gente está colocando."
Sobre as críticas de apoiadores do presidente, o deputado ironiza. "Se eu tirar os robôs do Bolsonaro, ele vai ficar com o quê? Esse pessoal vive de robôs."
Na Câmara, o projeto conta com o aval do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na quarta-feira (27), o deputado, que já foi alvo de fake news de apoiadores de Bolsonaro, defendeu a responsabilização das plataformas. "Ninguém quer reduzir a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão. Agora, o que não pode é essas estruturas estarem sendo usadas contra as instituições democráticas, como muitas vezes são usadas."
"Quando um robô é usado para disseminar informação, informação falsa, informação que pode, por exemplo, mudar o resultado de uma eleição, que pode ameaçar um cidadão, isso tudo não é liberdade de expressão. Isso é abuso do sistema tecnológico e um ataque frontal, muitas vezes, às instituições democráticas."
A plataforma digital, diz, consegue identificar quando a informação é repassada por robôs ou por usuários autênticos. "Então o sistema de controle das plataformas precisa ser melhorado e que, de alguma forma, a gente possa ter responsabilização."
"Porque o que não pode também é um volume de fake news desqualificarem, desonrarem a honra de uma pessoa, e ninguém ter responsabilidade com isso."
Ronaldo Lemos, advogado e colunista da Folha de S.Paulo, avalia que o foco do projeto está equivocado. "O que precisa priorizar é a origem do conteúdo", defende.
"A fake news nunca acontece sozinha. É resultado de ações organizadas por grupos. Essas ações são caras, são financiadas com recursos. Em geral, as ações envolvem as práticas de vários crimes, como falsidade ideológica e lavagem de dinheiro."
Segundo Lemos, ao esconder atrás de robôs e contas falsas, os responsáveis pela disseminação de informações falsas querem fingir que cidadãos estão se manifestando espontaneamente.
"Essa é a raiz do problema. E, para isso, você precisaria tratar dos fenômenos de informação desorganizada com base na lei de organizações criminosas", defende. Para ele, ao focar conteúdo, o projeto afronta a liberdade de expressão prevista na declaração universal dos direitos humanos.
As donas das principais redes sociais do Brasil também manifestam preocupação em manter a liberdade de expressão dos usuários.
O Facebook, que possui sob seu guarda-chuva Instagram e WhatsApp, diz se colocar "ao lado de organizações de defesa dos direitos na internet ao apoiar que projetos de lei sejam resultado de amplo debate público, para garantir que não representem ameaça à liberdade de expressão e para evitar que tragam insegurança jurídica ao setor."
Já o Twitter afirma que o debate sobre políticas contra a desinformação "deve ser amplo e cauteloso, permitindo seu amadurecimento e a construção de consensos, para que não haja o risco de resultar em supressão da liberdade de expressão e informação, conforme vêm alertando as principais organizações de defesa de direitos na internet."