A Polícia Federal (PF) apura a utilização do software de monitoramento espião FirstMile para realizar uma investigação paralela sobre a facada contra o então candidato Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2018.
A informação está na representação da PF que resultou em buscas e prisões na última quinta-feira (11), na quarta fase da operação Última Milha, que apura a existência de uma "Abin Paralela" no governo Bolsonaro.
Segundo o documento, houve registros de pesquisas no sistema FirstMile de uma operação denominada "Adelito" pelos investigados, uma possível referência a Adélio Bispo, autor do atentado.
A polícia encontrou 114 pesquisas no software feitas pelo grupo, entre os dias 13 a 27 de abril de 2020, em que parte das coordenadas foi registrada justamente na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, onde houve o crime.
"As diligências de análise para tentar identificar a motivação para a possível investigação paralela ao caso
Adélio e outras circunstâncias que indiquem o desvio institucional estão em andamento", diz o relatório da PF.
Ainda de acordo com o órgão, a chamada "Abin paralela" também buscou saber se havia relação entre Adelio com rivais do ex-presidente, incluindo o ex-ministro José Dirceu (PT).
O relatório afirma que o ex-diretor da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL) determinou ao policial federal Marcelo Bormevet que realizasse uma análise dos dados disponíveis relacionados ao caso Adélio em março de 2022.
Preso na quinta-feira (11), Bormevet foi segurança de Bolsonaro na campanha de 2018 e, depois, nomeado para integrar o CIN (Centro de Inteligência Nacional), estrutura criada pelo atual deputado na Abin.
Em junho deste ano, a PF reiterou que Adélio agiu sozinho no crime e que o caso da tentativa de assassinato de Bolsonaro estava encerrado.
Em um caso politizado desde a origem e explorado por Bolsonaro, apoiadores e oposicionistas conforme as circunstâncias, também a apuração sofreu pressões políticas. Três inquéritos da PF concluíram que Adélio agiu sozinho, sem ordem de mandantes ou auxílio de comparsas.
Colocando em xeque o trabalho da PF, Bolsonaro e seu núcleo insinuaram ao longo do mandato e depois de sua saída do cargo que a ação foi um exemplo de como seus inimigos desconhecem limites nas ações para aniquilá-lo política e juridicamente.
Acadêmicos que pesquisam a direita apontam a facada como elemento importante da estética bolsonarista, ao emplacar a vitimização como prenunciou uma foto do candidato na cama do hospital ao receber os primeiros socorros quando estava entre a vida e a morte e forjar a imagem de mártir.
Nesta sexta-feira (12), Ramagem disse que "finalmente" houve indicação de que será ouvido pela PF, "a fim de buscar instrução devida e desconstrução de toda e qualquer narrativa".
Ramagem também afirmou que "fica claro" que a PF despreza os "fins de uma investigação" com o objetivo de "levar à imprensa ilações e rasas conjecturas".
ESPIONAGEM
A PF também investiga se policiais lotados no CIN utilizaram o software de geolocalização e se produziram relatórios sobre ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e políticos adversários do ex-presidente.
Os policiais federais vinculados a Ramagem alegam que desconhecem o uso do sistema. De acordo com a polícia, o argumento "desafia a lógica da própria estrutura de inteligência".
Segundo a PF, "seria impossível que um dos principais setores da Abin utilizasse a ferramenta de alta sensibilidade sem o conhecimento da alta gestão".
"A existência e o uso do sistema FirstMile, em verdade, eram de plena ciência dos altos gestores da Abin e foi tão-somente um dos sistemas empregados nas ações clandestinas", diz a polícia.
Filho do ex-presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) também está na lista de investigados da operação por envolvimento no uso do software.
O FirstMile foi utilizado pela Abin entre 2019 e 2021. Ele foi adquirido e ficava "hospedado" em computadores da Diretoria de Operações de Inteligência, mas depoimentos de servidores e documentos de apurações internas da Abin mostram o uso por solicitação de pessoas ligadas ao CIN.
O software foi produzido pela empresa israelense Cognyte antiga Suntech/Grupo Verint e adquirido pela Abin ainda no governo de Michel Temer (MDB) por R$ 5,7 milhões.