Katna Baran, FOLHAPRESS
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) afirmou que o vídeo divulgado nesta terça-feira (3) pelo site The Intercept Brasil, da audiência do caso envolvendo a influenciadora Mariana Ferrer, "não condiz com a realidade", pois foi editado para esconder intervenções em favor dela por parte do promotor, do juiz e do assistente da acusação que participaram da oitiva.
As imagens mostram parte da audiência do julgamento que inocentou o empresário André Aranha da acusação de estupro de vulnerável contra Mariana. O caso ocorreu em dezembro de 2018 e foi julgado em setembro deste ano.
O vídeo da audiência gerou repercussão devido à forma como a jovem foi tratada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do empresário, e motivou apuração também em outras instâncias.
Em nota divulgada nesta quarta-feira (4), o MPSC informou que pediu o levantamento de sigilo do vídeo para que ele seja divulgado na íntegra. O órgão alegou que o sigilo legal imposto ao caso não pode inviabilizar o direito à informação "sem edições ou manipulações".
No trecho da audiência divulgado pelo Intercept, Gastão da Rosa exibiu cópias de fotos sensuais produzidas por Mariana quando era modelo. O advogado ainda definiu as poses das fotos de Mariana como ginecológicas. Também afirmou que "jamais teria uma filha do nível" da jovem. O advogado ainda repreendeu o choro dela. Mariana reclamou do interrogatório para o juiz e, no fragmento divulgado, o magistrado avisa que vai parar a gravação para que ela possa se recompor e pede que o advogado mantenha um bom nível.
O MPSC afirmou na nota que, desde o primeiro momento em que o advogado foi desrespeitoso com Mariana, o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, interveio para que ela não fosse constrangida.
Ainda segundo o órgão, a íntegra do vídeo mostra outras interrupções dos participantes da oitiva contra as falas do advogado, mas os momentos foram editados pelo The Intercept para propositalmente excluir as intervenções feitas pelo promotor, pelo juiz Rudson Marcos e pelo defensor público que atuava como assistente de acusação.
"O Ministério Público reitera seu repúdio à atitude do advogado e ressalta que a exploração de aspectos pessoais da vida de vítimas de crimes sexuais não pode, em hipótese alguma, ser utilizada para descredenciar a versão fornecida por ela aos fatos", disse o órgão na nota.
O depoimento de Mariana durou cerca de três horas e a audiência foi realizada em dois dias distintos, "justamente com o objetivo de resguardar sua integridade em um momento tão sensível", citou a instituição.
Segundo o MPSC, todos os integrantes do órgão que atuaram no caso adotaram "os necessários respeitos e sensibilidade que a questão exigia". As perguntas do promotor dirigidas a Mariana na oitiva também respeitaram aos princípios de acolhimento e respeito, de acordo com a instituição. O Ministério Público citou ainda que tem respeitado o sigilo legal que envolve crimes sexuais.
Ao final da nota, o MPSC afirmou lamentar o fato de instituições e integrantes do sistema de Justiça "terem adotado juízo de valor precipitado sobre os fatos" a partir da reportagem do Intercept. Segundo o órgão, a reportagem contém "informações inverídicas e sem conhecimento das provas" do processo.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes foi um dos que comentou as imagens em rede social. "As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram", afirmou.
O Ministério Público de Santa Catarina diz sobre a reportagem do Intercept que "o que ocorreu, no entanto, foi a difusão proposital da desinformação em um ambiente que todos sabemos ser propício para a propagação de informações sem a devida e necessária checagem de sua veracidade".
Em resposta à reportagem, o site The Intercept disse repudiar a acusação do MPSC de difusão proposital da desinformação e afirma que fez apenas uma atualização da reportagem para deixar claro que a expressão estupro culposo resumia o caso para o público leigo. "Em nenhum momento, na versão original ou em qualquer outra versão, o texto afirma que a expressão constava nos autos", completou.
Sobre o vídeo, o site acrescentou que, durante os 45 minutos de depoimento de Mariana Ferrer, a primeira manifestação do promotor se dá somente aos 34 minutos e 39 segundos, mas não para defender a influenciadora - como alega o MPSC -, mas para chamar sua atenção.
"Alega o promotor Carriço que a audiência "estava indo bem" até que a vítima começou a questionar a qualidade da perícia de seu caso. E acrescenta que o processo de Mariana é "o único processo de réu solto que está sendo examinado durante a pandemia", insinuando privilégio à vítima", diz o Intercept.
À reportagem, nesta terça-feira, o advogado Claudio Gastão disse que não iria comentar um processo sob segredo de justiça, "principalmente em face de indagações descontextualizadas que revelam má-fé e parcialidade", se referindo à reportagem do Intercept, que chamou de fake news.
A Corregedoria Nacional do Ministério Público instaurou uma reclamação disciplinar em 9 de outubro para apurar supostas irregularidades por parte de integrante da promotoria de SC. A investigação, instaurada com base em representação feita pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta comandada por Damares Alves, tramita em sigilo.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) afirmou em nota que as imagens divulgadas chocam, mas que toda a gravação deve ser analisada para se apurar responsabilidades. A instituição diz que vai acompanhar a apuração dos fatos.
A Corregedoria Nacional de Justiça também instaurou apuração sobre a conduta do juiz Rudson Marcos na audiência. Já a seccional catarinense da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pediu esclarecimentos ao advogado Gastão da Rosa. O pedido antecede eventual abertura de processo ético disciplinar.
A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) também se manifestou por meio de nota e afirmou que as imagens foram veiculadas e analisadas de forma dissociada do seu contexto. Segundo a entidade, houve mais de 30 intervenções do juiz durante as três horas de audiência, para advertir as partes sobre a urbanidade e o respeito a serem cumpridos no ato. Alega ainda que houve suspensão da oitiva "para que os envolvidos atentassem para tais determinações".
Já a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) disse acompanhar as manifestações com atenção. Defendeu a verificação de possíveis excessos no exercício da magistratura e que condutas discriminatórias e humilhantes ocorridas em audiências sejam repelidas e apuradas.