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O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acusou o presidente Jair Bolsonaro de dar “mais um mau exemplo à população” ao ter defendido a não obrigatoriedade de vacinação contra a Covid-19. Na segunda-feira (31), durante conversa com simpatizantes do lado de fora do Palácio da Alvorada, Bolsonaro afirmou a uma apoiadora que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. No dia seguinte, a frase foi reproduzida pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) em mensagem publicada no Twitter, com o acréscimo de que “impor obrigações definitivamente não está nos planos”. “Dá mais um mau exemplo à população, sabendo ele que a única forma de termos o retorno ao normal, seja no Brasil, na Espanha, na Argentina, em qualquer país do mundo, é ter a sua população imunizada com a vacina”, afirmou Doria. Ele também culpou o presidente pelos altos índices de casos e mortes pela doença no Brasil. “Teria sido melhor se tivéssemos um líder no país, um presidente da República que não fosse negacionista, que tivesse liderado o Brasil nesse período da pandemia para orientar a população a obedecer o isolamento social, a obedecer as regras da quarentena, a não dar o mau exemplo de frequentar lugares públicos sem máscara e nem estimular aglomerações”, disse.
Em relação à popularidade do presidente, a mais alta desde o início do mandato, segundo uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha em agosto, Doria a creditou à concessão do auxílio emergencial. “São 90 milhões de brasileiros recebendo R$ 600 por mês e que não recebiam nada, absolutamente nada. Ou uma parcela, talvez a metade deste universo, recebesse R$ 150 de um programa social que vem desde o governo retrasado e agora passa a receber R$ 600 por mês”, declarou. O governador também mostrou preocupação com o estado das contas públicas devido ao benefício. “Eu não desaprovo o gesto, desaprovo a continuidade do gesto, porque não há dinheiro no Brasil para sustentar um programa que já custou aos cofres públicos R$ 250 bilhões. Não há recursos, não há condição de o país sustentar 90 milhões de brasileiros sem trabalhar”, comentou.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Como foi sua recuperação da Covid-19, diagnosticada há poucas semanas?
João Doria: Fui assintomático durante esse período da pandemia em que eu estive infectado pela Covid. Cumpri 10 dias de isolamento na minha residência, fui liberado, fiz a testagem final no nono dia, e o médico me deu a liberação, disse que a minha capacidade de recuperação foi excepcional. Agora já estou trabalhando regularmente. Serve de alerta para todas as pessoas, porque me cuido muito. Uso máscara, lavo as mãos com frequência, uso álcool gel, respeitei todas as normas sanitárias, e ainda assim fui infectado pela Covid. E olha que sou uma pessoa com condição física muito boa, não fumo, não bebo, faço checkup anual, exercícios. O vírus não respeita ninguém e, portanto, pode infectar qualquer pessoa em qualquer circunstância.
O pior da pandemia já passou?
Doria: Ainda estamos enfrentando a pandemia e aplicando quarentenas, a nona sucessiva. São Paulo fez uma quarentena inteligente, por regiões, reduzindo restrições dependendo da evolução das taxas (de contágios), mas é a vacina que nos dará o salvo-conduto definitivo, e aí sim poderemos afirmar que o pior já passou. Tivemos uma fase muito mais aguda de infecção e mortes no Brasil e em São Paulo. Abril e maio foram os dois meses mais duros desse período da pandemia. Mas, mesmo assim, tenho procurado advertir todas as pessoas que não temos nenhuma razão para celebrar, nem relaxar.
Houve aglomerações no último fim de semana em algumas praias do litoral de São Paulo. O governo estadual pretende tomar medidas a respeito?
Doria: As medidas devem ser adotadas pelas prefeituras municipais, com o apoio do governo do estado. Na última segunda-feira (31), solicitamos a todos os prefeitos das cidades do litoral e também para os das estâncias climáticas para que redobrassem os cuidados e também fizessem barreiras sanitárias. Mas é uma decisão de cada prefeito. O governo do estado só poderá agir se os prefeitos solicitarem. E, se solicitarem, terão o apoio da Polícia Militar para as barreiras sanitárias (…) Não queremos converter uma curva descendente em uma ascendente. É um momento de preocupação.
Se o estado de São Paulo fosse um país, seria um dos mais afetados do mundo pela pandemia, à frente, por exemplo, da Espanha. O que poderia ter sido feito melhor no combate à Covid?
Doria: Teria sido melhor se tivéssemos um líder no país, um presidente da República que não fosse negacionista, que tivesse liderado o Brasil nesse período da pandemia para orientar a população a obedecer o isolamento social, a obedecer as regras da quarentena, a não dar o mau exemplo de frequentar lugares públicos sem máscara e nem estimular aglomerações. Alguém que não recomendasse a cloroquina ou medicamento salvador contra a pandemia, porque não é. Ora, o presidente não usa máscara, não faz isolamento social, não recomenda o isolamento, não faz distanciamento social, cumprimenta e abraça as pessoas quando não deveria fazer isso, recomendou medicamento que não tem comprovação da ciência de que tenha algum efeito efetivo na ação preventiva da doença como se fosse um comprimido contra dor de cabeça. Esses maus exemplos criaram uma cultura dúbia de dificuldade de entendimento na população: “em quem eu acredito? Em quem pede para que eu faça o isolamento, quem pede para que use máscara, quem pede para que eu fique em casa? Ou no presidente da República, que fala que pode sair, que isso não é nada, que isso passa, que é uma gripezinha, que serão 4 mil contaminados no país, no máximo?”. São duas informações antagônicas e que se chocam na mente das pessoas, sobretudo as pessoas com menos capacidade de acesso à informação.
Apesar disso, segundo a última pesquisa do instituto Datafolha, Bolsonaro está com o maior índice de aprovação desde que começou o mandato. Por que o brasileiro apoia agora mais o presidente do que antes da pandemia?
Doria: Porque está recebendo o auxílio emergencial. São 90 milhões de brasileiros recebendo R$ 600 por mês e que não recebiam nada, absolutamente nada. Ou uma parcela, talvez a metade deste universo, recebesse R$ 150 de um programa social que vem desde o governo retrasado e agora passa a receber R$ 600 por mês. Evidentemente que essa população vê com simpatia um gesto como esse. Eu não desaprovo o gesto, desaprovo a continuidade do gesto, porque não há dinheiro no Brasil para sustentar um programa que já custou aos cofres públicos R$ 250 bilhões. Não há recursos, não há condição de o país sustentar 90 milhões de brasileiros sem trabalhar.
O presidente Bolsonaro fez uma controversa declaração defendendo a não obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19. Qual é a sua opinião a respeito?
Doria: Foi totalmente controversa. Deve, sim, ser obrigatória. Cada cidadão vacinado salva sua vida e salva a vida de dezenas de outras pessoas. É mais um mau exemplo do presidente Bolsonaro. Dá mais um mau exemplo à população, sabendo ele que a única forma de termos o retorno ao normal, seja no Brasil, na Espanha, na Argentina, em qualquer país do mundo, é ter a sua população imunizada com a vacina.
Efe: Como estão os testes com a vacina Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech e que será produzida no Brasil pelo Instituto Butantan?
Doria: Ela já está na sua terceira fase de testagem, terceira e última fase, com 9 mil voluntários, todos médicos e paramédicos em cinco estados do Brasil. A testagem é positiva, não tivemos nenhum efeito grave colateral que pudesse exigir um reestudo da vacina. Se tudo continuar seguindo bem, nós teremos a partir de novembro os resultados finais consolidados, e aí poderemos submeter à aprovação final da Anvisa. A distribuição será gratuita aqui em São Paulo, e o que nós temos nesse momento lutando é para permitir que o Instituto Butantan amplie muito a sua capacidade de produção. Neste momento nós já temos 60 milhões de doses da vacina Coronavac asseguradas, 45 milhões de doses em dezembro e mais 15 milhões até março de 2021. Desejamos agora produzir 100 milhões de vacinas para permitir que possamos também destinar aos brasileiros de outras regiões. Estamos em entendimentos com o governo federal para o financiamento desta ampliação do Butantan e também para a compra da vacina, porque nós temos dois momentos: o da aquisição da vacina da Sinovac em Pequim, onde fica a sua sede, e o momento da produção aqui, no Instituto Butantan. Este entendimento com o Ministério da Saúde até aqui tem caminhado bem.
Então em janeiro já pode haver paulistas que receberão a vacina?
Doria: A resposta é sim.
O senhor ficou surpreso com a confirmação, pelo colegiado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do afastamento de Wilson Witzel do governo do Rio de Janeiro?
Doria: Agora houve uma decisão do STJ de um colegiado, é diferente quando você tem três, quatro, cinco juízes tomando uma decisão. Ela se fortalece e se respalda de forma mais democrática, para que a justiça seja de fato justa e se cumpra. Eu não faço juízo moral sobre a conduta do governador Wilson Witzel. Fiz apenas um comentário, na semana passada, de que não se pode ter uma decisão dessa ordem para um governador, um prefeito, um presidente da República, um senador ou um parlamentar apenas com um juiz. As decisões devem ser fruto de um colegiado.
*Com EFE