Clara Balbi, Folhapress
A cineasta mineira Petra Costa conta que já tinha perdido as esperanças em relação ao seu longa, "Democracia em Vertigem", chegar o Oscar. "Estou extasiada. Foi uma surpresa maravilhosa para o cinema nacional, latino-americano, e para as mulheres", afirma, por telefone.
A produção do Netflix, que tinha sido pré-selecionada na categoria de documentário em dezembro passado, foi um dos cinco longas escolhidos, nesta segunda (13), para disputar o páreo no dia 9 de fevereiro.
"Democracia em Vertigem" é o terceiro longa-metragem de Costa. Nele, a diretora revê a história recente do país, da ascensão de Lula à Presidência até o impeachment de Dilma Rousseff, passando pelos escândalos de corrupção em que o PT, partido dos dois, se envolveu nesse ínterim.
Apesar de narrar uma história factual e abrangente, a cineasta emprega no filme o mesmo tom pessoal e intimista que havia usado em seus filmes anteriores, "Elena", sobre sua irmã mais velha, e "O Olmo e a Gaivota", misto de ficção e documentário.
Essa abordagem foi alvo de muitas críticas do documentário, que o consideram enviesado e parcial. Num texto publicado pela Folha de S.Paulo, por exemplo, o jornalista Leandro Narloch afirmou que a diretora "vive num Brasil paralelo da esquerda", e definiu o longa como "um filme infantil da Disney com imagens de Brasília no lugar das animações".
Já o dramaturgo Roberto Alvim, hoje secretário de Cultura do governo Bolsonaro, afirmou à coluna de Mônica Bergamo que a indicação estaria correta "se fosse na categoria ficção".
Outras críticas vieram mais tarde, por causa de uma reportagem da revista Piauí que mostrou que uma das imagens históricas usadas no documentário, mostrando dois militantes mortos pela ditadura militar, foram adulteradas. Duas armas, plantadas na cena do crime pelos militares, foram apagadas.
Na época, Petra disse que optou por eliminar as armas da cena para que a imagem reproduzida no filme se aproximasse da realidade que consta em documentos e depoimentos.
Costa responde às críticas dizendo que o filme assume o tempo todo sua perspectiva da primeira pessoa. "Tento ser o mais honesta possível sobre as minhas certezas, e como elas foram se transformando em dúvidas ao longo do processo. E tento compartilhar com a plateia a minha jornada, crucial para mim e para o mundo nesse momento, que é essa escalada da extrema direita."
A diretora ainda afirma que a indicação ao Oscar mostra que o cenário internacional está atento ao que chama de risco à democracia. "Essa história começou como nacional e se tornou muito rapidamente global. Estamos vivendo um revival da crise humanitária dos anos 1930", diz, em referência à ascensão do nazismo e do fascismo. "E precisamos de todos os esforços, seja através de narrativas ou movimentos políticos, para resgatar o estado de direito antes que ele seja tarde demais."
Esta é a quarta vez que um documentário brasileiro vai ao Oscar - em anos anteriores, filmes como "O Sal da Terra", "Lixo Extraordinário" e "Raoni", também disputaram a categoria. A última vez que um filme brasileiro foi à premiação foi há dois anos, com o curta de animação "O Menino e o Mundo".
"Democracia em Vertigem", que foi citado como um dos melhores filmes do ano pelo jornal The New York Times, concorrerá com outros quatro filmes no Oscar: "American Factory", "Honeyland", "The Cave" e "For Sama".
Os dois primeiros devem se mostrar concorrentes fortíssimos. "American Factory", uma produção da Higher Ground, empresa criada por Barack e Michelle Obama no ano passado, mostra os embates entre as culturas americana e asiática numa fábrica de Ohio adquirida por bilionário chinês. Está disponível no Netflix. E "Honeyland", sobre a última apicultora nômade da Macedônia do Norte, ainda ganhou uma segunda indicação, na categoria de melhor filme internacional.