FOLHAPRESS
O presidente Jair Bolsonaro é alvo na noite desta quarta-feira (18), pelo segundo dia seguido, de um panelaço em diversas cidades do país.
O protesto convocado em redes sociais foi impulsionado pela reação de Bolsonaro à crise do coronavírus, que afetou a rotina de milhões de brasileiros e deve ter duro impacto na economia.
O ato contra Bolsonaro estava marcado para as 20h30, mas, em bairros de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, alguns moradores anteciparam a mobilização, simultaneamente a um pronunciamento do presidente anunciando medidas contra a doença.
Os atos acabaram se estenderam até a hora que tinha sido combinada.
Em Copacabana, zona sul do Rio, houve gritos de "Acabou" e "Fora", além de algumas reações contrárias, como "Fora petralhas". Também houve em bairros como Laranjeiras, Humaitá e Leblon.
Reduto bolsonarista, Águas Claras, no Distrito Federal, também teve panelaço antecipado contra Bolsonaro, além de gritos contra o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em São Paulo, as manifestações aconteceram em prédios no Tatuapé, na zona leste, na Casa Verde, na zona norte, no Brooklin Novo e na Saúde, na zona sul, e por toda a região central. Na zona norte, o protesto foi com cornetas nas janelas dos apartamentos. Pelas ruas, também houve buzinaço, xingamentos e menções a milicianos.
No bairro Paraíso, na zona sul, os manifestantes tocaram bumbo. Nos Jardins, na zona oeste, foi ouvido o slogan "Ele não", usado por opositores na eleição presidencial de 2018. Na região central, em meio ao panelaço foi tocada a música "Apesar de Você", de Chico Buarque.
Na Vila Buarque, no centro, os manifestantes também projetaram um letreiro que dizia "Fora Bozo" em um edifício.
A tática de protestar com uma projeção em fachada também foi usada em Ipanema, no Rio.
Em Porto Alegre, uma projeção alternava mensagens em defesa do Sistema Único de Saúde com dizeres como "defender o SUS é defender nossas vidas" e mostrava o vídeo de Bolsonaro usando a máscara descartável durante coletiva de imprensa.
Foram ouvidos fogos de artifício e a canção Bella Ciao, símbolo da resistência italiana contra o fascismo da Segunda Guerra.
Houve ainda panelaço em Manaus, em Goiânia, em Belém, nos bairros da Pampulha e Lurdes, em Belo Horizonte, no Recife, na localidade da Madalena, e em Salvador, nos bairros da Pituba, Itaigara, Costa Azul, Imbuí e Rio Vermelho.
O panelaço também foi expressivo na região central de Florianópolis e no centro de Curitiba, onde presidente teve 76% dos votos no segundo turno em 2018.
Fora das capitais, houve manifestações em cidades como Londrina (PR), Campinas e Ribeirão Preto (SP).
Por volta das 21h, teve início um panelaço em apoio ao governo, mais tímido. Em São Paulo, houve manifestações nos Jardins, Perdizes e na Vila Romana (ambos na zona oeste), no Tatuapé (zona leste), no Campo Belo e no Brooklin (zona sul) e em Higienópolis (centro).
No interior paulista, apoiadores foram às janelas do bairro de Irajá, em Ribeirão Preto, e houve barulho em Belo Horizonte e na Asa Norte, em Brasília.
Houve registros de manifestações também em bairros centrais de Curitiba, como no Água Verde, mas em menor volume. O mesmo em Porto Alegre, onde foram escutados fogos de artifício no bairro Petrópolis, mas manifestantes contra o presidente continuaram gritando "fora Bolsonaro" em maior intensidade que os favoráveis.
Em Goiânia, o panelaço das 21h a favor do presidente ocorreu em locais da região central. Além de panelas, houve gritos contra o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O panelaço pró-governo fez com que alguns críticos de Bolsonaro voltassem às janelas para protestar contra o presidente.
Em Santana, na zona norte de São Paulo, houve protestos tímidos e isolados dos dois lados, com panelas, cornetas e pisca-pisca nas luzes.
No bairro da Madalena, no Recife, o panelaço de apoio a Bolsonaro começou 21h e acabou cerca de 15 minutos depois. O movimento contra o presidente, no mesmo lugar, demorou mais. Começou 19h56 e foi até as 20h35. Algumas pessoas bateram panelas nos dois atos.
Bolsonaro, que já se referiu à dimensão da doença como "fantasia", dizendo haver "histeria" da população, tentou reagir nesta quarta, após perder apoio inclusive entre alas conservadoras.
Modulando seu discurso público, passou a reconhecer que a situação é grave, embora não tenha demonstrado arrependimento de ter participado de ato no último domingo (15), contrariando recomendação do Ministério da Saúde.
Ele disse ainda que a bateção de panelas contra ele, já ocorrida na noite de terça (17), parece espontânea, faz parte da democracia e aproveitou para tentar arregimentar apoiadores para outro panelaço na noite desta quarta, às 21h, mas desta vez a favor de seu governo.
Ao menos 18 pessoas que estiveram com Bolsonaro em comitiva durante viagem aos EUA já contraíram a a Covid-19 -os ministros general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Bento Albuquerque (Minas e Energia) foram os mais recentes a entrar na lista. Dois exames do presidente da República, porém, deram negativo.
O presidente, na tentativa de reduzir seu desgaste e isolamento, buscou nesta quarta demonstrar maior preocupação com a crise do coronavírus ao convocar entrevista ao lado de ministros, todos com máscaras, para anunciar medidas do governo.
Ele também fez um aceno aos outros Poderes ao propor um encontro com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, após ter endossado ato de bolsonaristas com ataques ao Parlamento e ao Judiciário no domingo.
A proposta, porém, acabou fracassada: Alcolumbre foi diagnosticado à tarde com coronavírus, e Maia cobrou uma pauta mais objetiva e disse que não iria para reunião só "para fotografia". Só Toffoli esteve com Bolsonaro, que fez um pronunciamento para anunciar mais medidas contra a doença.
Os panelaços em janelas de apartamentos se tornaram um dos símbolos de protesto contra a então presidente Dilma Rousseff (PT), que sofreu impeachment em 2016.
Na terça, foi protocolado na Câmara um primeiro pedido de afastamento de Bolsonaro na Presidência por ter convocado atos contra o Congresso e Judiciário no último fim de semana. A iniciativa foi do deputado distrital Leandro Grass (Rede-DF).
Em entrevista à imprensa, Bolsonaro, ao se referir ao panelaço contra ele, disse que qualquer protesto popular deve ser compreendido pela classe política.
"Parece que é um movimento espontâneo por parte da população. Qualquer movimento por parte da população eu encaro como uma expressão da democracia", disse.
O presidente afirmou ainda que "em qualquer momento que a nação assim precisar, eu estarei na linha de frente com esse povo, que é o meu exército, que é o exército de todos os democratas do Brasil".
Além de ter divulgar os atos pró-governo e anti-Congresso no domingo, Bolsonaro participou diretamente da manifestação em Brasília, após sair de carro do Palácio do Alvorada, e cumprimentou apoiadores.
O protesto e a conduta do presidente contrariaram recomendação do próprio Ministério da Saúde, que pediu para a população evitar aglomerações.
Mesmo após ter a atitude reprovada por médicos e por seu próprio ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), responsável por medidas de combate à doença, Bolsonaro minimizou.
Na terça, ainda disse que faria uma "festinha tradicional" para celebrar seus 65 anos no próximo final de semana.
Um dia antes, a ex-aliada Janaina Paschoal, deputada estadual em São Paulo pelo PSL e uma das autoras do pedido de impechament de Dilma, pediu em discurso que Bolsonaro saia do cargo.
Nesta quarta, após a confirmação do teste positivo do ministro Augusto Heleno, Bolsonaro cancelou reunião ministerial que realizaria no Palácio do Planalto.
Na tentativa de dar importância ao combate ao coronavírus, reservou a sua agenda pública a reuniões e eventos sobre esse assunto, além da entrevista na qual enumerou iniciativas feitas para evitar a expansão da doença.
Em suas declarações, porém, Bolsonaro continuou a defender a necessidade de não entrar em "histeria" diante do aumento de casos de contágio.
Mas, desta vez, disse que a curva de casos preocupa. "O que nos buscamos é estender, alongar o prazo daqueles que terão o vírus. O objetivo é alongar o prazo porque o nosso sistema de saúde não tem condições de acolher uma quantidade considerável de atender pessoas, em especial idosos", disse.
Esta foi a primeira vez que o presidente demonstrou preocupação com esse ponto, embora afirmações semelhantes venham sendo repetidas pela equipe da Saúde. Ele também disse que não há clima para protestos nas ruas.
"É grave e é preocupante, mas não devemos entrar no campo da histeria ou da comoção nacional", afirmou. "Não há clima para alguém pensar em manifestação. A realidade vai chegando aos poucos", disse.
Em um contraponto aos ataques que desferiu desde a semana passada contra o Poder Legislativo, Bolsonaro passou agora a fazer fez elogios públicos ao Congresso.
"Nós externamos toda a nossa preocupação. Estamos tendo apoio incondicional por parte da Câmara e do Senado em todas as medidas necessárias", disse o presidente.
Nas últimas semanas, o gabinete digital do Palácio do Planalto identificou, segundo auxiliares presidenciais, críticas até mesmo entre perfis de direita à postura do presidente de minimizar a crise de saúde.
A desmobilização nas redes sociais se somou aos panelaços promovidos na noite de terça-feira. Segundo deputados aliados, o tamanho da manifestação surpreendeu o presidente.
Apesar de ter baixado o tom, Bolsonaro continuou a prestigiar o diretor-presidente substituto da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, em detrimento do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Barra foi chamado para discursar antes de Mandetta e foi elogiado pelo presidente. Ele foi fortemente criticado por servidores da Anvisa por ele ter participado de manifestação ao lado de Bolsonaro no último domingo, em frente ao Palácio do Planalto.
Durante o ato, o presidente apertou a mão e cumprimentou uma série de apoiadores, além de ter tirado selfies e segurado telefones celulares e devolvido a seus donos.
O presidente tem cobrado Mandetta a adotar um discurso mais afinado ao do Palácio do Planalto no combate à pandemia, a exemplo de Barras. Para ele, o tom adotado pela saúde tem gerado histeria.
Nesta quarta-feira (18), o ministro cedeu à pressão do presidente e defendeu, nas redes sociais, que não se crie um clima de desespero.
"Não podemos deixar isso se transformar em histeria e desespero! Calma, serenidade, prevenção e ações eficazes são armas importantes para superarmos o coronavírus", escreveu.
Bairros
Na noite de terça, os panelaços, com gritos de "fora Bolsonaro", ocorreram em São Paulo em bairros como Aclimação, República, Consolação, Santa Cecília, Higienópolis e Bela Vista, na região central, e Pompeia, Pinheiros, Perdizes e Jardins, na zona oeste.
Em Perdizes também houve manifestações de apoiadores em resposta, como "viva Ustra", referência ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, oficial da ditadura militar que costuma ser elogiado pelo presidente.
Antes do agravamento da pandemia, a UNE (União Nacional dos Estudantes), centrais sindicais e grupos de esquerda haviam marcado um protesto contra Bolsonaro para esta quarta, mas a mobilização foi suspensa por causa do risco de disseminação da doença.