Renato Machado, FOLHAPRESS
Um dia após a prisão de seu aliado Roberto Jefferson, o presidente Jair Bolsonaro afirmou neste sábado (14) não provocar nem desejar uma ruptura institucional e disse que vai levar ao Senado um pedido de abertura de processo contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal). Barroso também preside o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A prisão de Jefferson, um dia antes, ocorreu por ordem de Moraes, após ataques do ex-deputado a instituições. "Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura, a qual não provocamos e desejamos", escreveu o presidente em sua rede social.
"De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal", completou.
O artigo 52 da Constituição versa sobre as competências privativas do Senado Federal. A Casa legislativa é a responsável por processar e julgar os ministros do Supremo, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral da República e o advogado-geral da União nos crimes de responsabilidade.
Neste sábado, Bolsonaro ainda acrescentou que o povo brasileiro "não aceitará passivamente" que direitos e garantias fundamentais (art. 5ª da Constituição Federal), como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defenfê-los".
Para chegar mais rápida a mensagem aos destinatários, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) já repassou a postagem do presidente no grupo de WhatsApp dos senadores, da qual Pacheco faz parte, minutos após ser publicada.
Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB e ex-deputado federal, foi preso na manhã de sexta-feira (13), no desdobramento das investigações sobre a atuação de uma quadrilha digital voltada a ataques contra a democracia. Moraes apontou em sua decisão indícios de mais de dez crimes.
Foram listados pelo magistrado, entre outros tipos penais, injúria, calúnia e difamação, incitação e apologia ao crime, denunciação caluniosa ou atribuir a alguém a prática de ato infracional de que o sabe inocente com finalidade eleitoral.
Bolsonaro anda não havia se manifestado sobre a prisão do ex-deputado e presidente nacional do PTB e acabou cobrado por aliados. A filha de Roberto Jefferson, a ex-deputada Cristiane Brasil, lançou uma indireta ao presidente da República e disse que ele poderia ser o próximo a ser preso.
"Cadê o "acabou porra"? Estão prendendo os conservadores e o bonito não faz nada? O próximo será ele! E se não for preso, não vai poder sair nas ruas já já! Acoooooorda", escreveu em suas redes sociais.
Na semana passada, a ameaça de Bolsonaro de usar armas "fora das quatro linhas da Constituição" irritou ministros do STF e levou o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, a fazer um discurso contundente.
O presidente do STF disse que Bolsonaro não cumpre a própria palavra e cancelou reunião entre os chefes dos Três Poderes que havia sugerido.
O clima entre Bolsonaro, STF e TSE esquentou após o presidente insistir nos ataques às urnas eletrônicas e na insinuação de que há um complô para fraudar as eleições de 2022 a fim de evitar sua vitória no pleito.
O Judiciário voltou do recesso disposto a dar uma resposta dura a Bolsonaro.
Primeiramente, a corte eleitoral decidiu, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar as acusações feitas pelo presidente, sem provas, de que o TSE frauda as eleições. Depois, Barroso assinou uma queixa-crime contra chefe do Executivo e recebeu o aval do plenário da corte eleitoral para enviá-la ao STF.
Também na semana passada, o corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, solicitou ao Supremo o compartilhamento de provas dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos com a ação que pode levar à cassação de Bolsonaro.
No mesmo dia, Moraes aceitou a queixa-crime de Barroso e incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o STF tem adotado medidas heterodoxas e atropelado a PGR (Procuradoria-Geral da República) na tentativa de conter o avanço bolsonarista contra as instituições.
As decisões da corte ajudaram a reduzir a disseminação de fake news e de ataques à democracia nas redes sociais. Por outro lado, especialistas temem que a atuação do Supremo com ações à margem das regras habituais gere um precedente perigoso à democracia.
Recentemente, por exemplo, o tribunal driblou o pedido da PGR para arquivar o inquérito dos atos antidemocráticos, apesar de a jurisprudência determinar que esse tipo de manifestação do órgão deva ser atendido.
Especialistas reconhecem a necessidade de o Supremo adotar medidas duras contra o bolsonarismo, mas dizem que tergiversar com o devido processo legal, independentemente da finalidade que se busque, pode levar à criação de precedentes perigosos que, no futuro, venham a ser usados de maneira arbitrária pelo Judiciário em geral.
Além das decisões judiciais, a corte também iniciou um movimento fora dos autos para barrar bandeiras do presidente. Foi o caso, por exemplo, da implementação do chamado voto impresso.
Ministros do Supremo articularam com 11 partidos um movimento contra a mudança na urna eletrônica e botaram em xeque a maioria que Bolsonaro tinha em relação ao tema.
A PEC que alterava a forma de votação para o ano que vem foi derrotada no plenário da Câmara na terça-feira (10), mas o presidente mantém o discurso em defesa do voto impresso.
Mesmo depois da derrotada da PEC na Câmara, Bolsonaro insiste em questionar a lisura das eleições. Ele levantou por exemplo a possibilidade de eleições para governadores e senadores serem fraudadas no ano que vem. "Poderiam, não estou afirmando."
Para ser aprovada, a proposta precisava do apoio de 308 deputados, mas recebeu 229 favoráveis e 218 contrários. Bolsonaro havia prometido a Arthur Lira, presidente da Casa, que respeitaria o resultado do plenário, mas insistiu no tema, o que deixou o deputado sob forte pressão, como mostrou a Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (12).
Bolsonaro reagiu com uma série de ataques públicos contra Barroso e Moraes.
"A hora dele [Moraes] vai chegar. Porque está jogando fora das quatro linhas da Constituição há muito tempo. Não pretendo sair das quatro linhas para questionar essas autoridades, mas acredito que o momento está chegando", disse o presidente na quinta-feira (5), após ser incluído como investigado no inquérito das fake news.
"Não dá para continuarmos com ministro arbitrário, ditatorial", completou ele em entrevista à Rádio 93 FM, do Rio de Janeiro.
Contra Barroso, Bolsonaro vem acusando o ministro do STF de agir no Congresso para enterrar a proposta do voto impresso e lançou ofensas pessoais. Em agenda em Santa Catarina, na sexta-feira (6), chegou a chamá-lo de "filho da puta" para apoiadores, durante transmissão em suas redes sociais. O vídeo depois foi retirado do ar.
A postagem de Flávio Bolsonaro no grupo de WhatsApp dos senadores permaneceu sem nenhuma interação horas após ter sido feita. A avaliação é que Flávio vai tentar "criar um clima de beligerância", usando principalmente a CPI para pressionar pela instauração dos processos.
Se por um lado evitaram o debate interno, alguns senadores reagiram externamente para criticar a postura de Jair Bolsonaro.
Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que já chegou a liderar os esforços pela instalação da CPI da Lava Toga e já apresentou pedidos de impeachment do próprio Alexandre de Moraes e Antonio Dias Toffoli -embora em circunstâncias diferentes- afirmou que se trata de uma cortina de fumaça.
"Ministros do STF podem e devem ser investigados por fatos concretos, mas o tal pedido de impeachment que Bolsonaro pretende apresentar contra Barroso e Moraes é só mais uma cortina de fumaça para tentar esconder o mar de crimes comuns e de responsabilidade que o próprio presidente cometeu", escreveu em redes sociais.
Em um tom de ironia, a líder da bancada feminina, Simone Tebet (MDB-MS), indicou que as ações de Bolsonaro podem se voltar contra ele, com o próprio presidente respondendo por crime de responsabilidade.
"Presidente vai mesmo pedir ao Senado o impeachment de ministros do STF? Quem pede para bater no "Chico", que mora no inciso II, artigo 52, da Constituição Federal, se esquece de que o "Francisco" habita o inciso I, do mesmo endereço", escreveu, lembrando que o mesmo artigo da Constituição afirma que é competência privativa do Senado também processar e julgar o presidente da República nos crimes de responsabilidade.
Vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), mandou o presidente ir "trabalhar".
"Bolsonaro, vá trabalhar. Ao invés de arroubos autoritários, que serão repelidos pela democracia, vá pegar no serviço. Estamos com 14 milhões de desempregados, 19 milhões de famintos, preço absurdo da gasolina, da comida. E o povo continua morrendo de Covid-19. Vai trabalhar", escreveu também em suas redes sociais.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ainda não se pronunciou.