Daniel Carvalho, FOLHAPRESS
Uma semana após ter dito que a Operação Lava Jato perdeu o sentido em seu governo por não haver casos de corrupção, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou nesta quarta-feira (14) que, se alguém andar fora da linha em sua gestão, levará "uma voadora no pescoço".
Em conversa com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente tocou no assunto ao informar à claque que a Polícia Federal estava realizando uma operação em Roraima.
"Ah, acabou a Lava Jato, pessoal? A PF está lá em Roraima hoje. Para mim não tem. No meu governo, não tem porque botamos gente lá comprometida com a honestidade, com o futuro do Brasil", disse Bolsonaro, fazendo alusão ao discurso que fez no Palácio do Planalto em 7 de outubro.
Naquele dia, Bolsonaro afirmou: "É um orgulho, uma satisfação que eu tenho dizer a essa imprensa maravilhosa nossa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com [a função da] a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação".
Já nesta quarta-feira, o presidente disse ao seu público o que faria caso encontrasse algum caso de corrupção em seu governo. "Se acontecer alguma coisa, a gente bota para correr, dá uma voadora no pescoço dele. Mas não acredito que haja no meu governo", disse Bolsonaro.
Bolsonaro tem sido criticado, inclusive por ex-aliados, por tomar decisões que contrariam os defensores do conjunto de operações e investigações da força-tarefa iniciadas em 2014.
Entre elas, a nomeação de Kassio Nunes para o STF (Supremo Tribunal Federal), um juiz tido como garantista, ou seja, que dá mais ênfase aos direitos dos acusados. O núcleo garantista no Supremo costuma impor derrotas à Lava Jato.
Além do mais, Bolsonaro adotou nos últimos meses um tom mais pragmático e tem priorizado uma boa relação tanto com o Judiciário quanto com o Congresso Nacional, em contraposição ao discurso crítico da chamada velha política que marcou sua campanha eleitoral.
Olhando-se em retrospecto, porém, o presidente ignorou suspeitas sobre aliados, amigos e familiares, contrariando o discurso ético e anticorrupção da campanha eleitoral.
"Se foi ilegal, a gente vê lá na frente. Mas, pelo que vi até agora, está tudo legal, vai continuar. Excelente profissional. Se fosse um porcaria, igual alguns que tem por aí, ninguém estaria criticando ele."
Foi assim que Bolsonaro reagiu à reportagem da Folha de S.Paulo que revelou que o chefe da Secom, Fabio Wajngarten, recebia, por meio de uma empresa da qual é sócio, dinheiro de emissoras televisivas e de agências de publicidade contratadas pela própria secretaria, ministérios e estatais do governo.
A legislação que trata do tema proíbe integrantes da cúpula do governo de manter negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas decisões. Entre as penalidades previstas está a demissão do agente público. A prática também pode configurar ato de improbidade administrativa, se demonstrado o benefício indevido.
A Folha de S.Paulo revelou ainda que, ao assumir o cargo, o secretário omitiu da Comissão de Ética Pública da Presidência da República informações sobre as atividades da FW e os negócios mantidos por ela. Na gestão de Wajngarten, seus clientes passaram a receber porcentuais maiores da verba de propaganda da Secom.
A nomeação para um novo cargo do governo federal de um antigo assessor demitido pelo uso de avião da FAB (Força Aérea Brasileira) é mais um exemplo de reação do presidente que contradiz seu discurso ético.
Demitido do posto de secretário-executivo da Casa Civil do governo em janeiro deste ano após usar um jato da FAB para uma viagem exclusiva para a Índia, José Vicente Santini ganhou um cargo no Ministério do Meio Ambiente.
Com um salário de R$ 13.623,39, Santini será assessor especial do ministro Ricardo Salles. A portaria com a nomeação foi publicada no "Diário Oficial da União" desta quarta-feira (16).
Santini foi demitido por ter utilizado uma aeronave oficial com apenas três passageiros (ele e duas assessoras) para voar de Davos (Suíça), onde participava do Fórum Econômico Mundial, para a Índia, onde o presidente Bolsonaro (sem partido) cumpria agenda.
Bolsonaro também mantém no cargo até hoje o ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas sob acusação de envolvimento no caso das candidaturas de laranjas do PSL na eleição de 2018.
Até aqui, ao ser confrontado com suspeitas envolvendo aliados, amigos e familiares, o presidente já criticou a imprensa, o Ministério Público e o Judiciário, enquanto os alvos das suspeitas foram mantidos no cargo.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente, é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob suspeita de lavagem de dinheiro, peculato, ocultação de patrimônio e organização criminosa, além da prática de "rachadinha", que consiste em coagir servidores a devolver parte do salário aos parlamentares.
A quebra do sigilo bancário do policial militar aposentado Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro e ex-assessor de Flávio, revelou novos repasses do amigo do presidente Jair Bolsonaro à primeira-dama Michelle Bolsonaro. De 2011 a 2016, o ex-assessor e sua mulher repassaram 27 cheques para Michelle no total de R$ 89 mil.