Danielle Brant e Renato Machado, FOLHAPRESS
Mesmo com aumento do desmatamento e dos incêndios, o governo Jair Bolsonaro cortou os orçamentos do Ibama e do ICMBio em 2021. A medida, advertem especialistas, pode comprometer a atividade de fiscalização de crimes ambientais e conservação de biomas.
No caso do Ibama, o corte nas verbas é de 4%, para R$ 1,65 bilhão. Do total, R$ 513 milhões ainda dependem de crédito extra a ser aprovado pelo Congresso, ou 31%.
No ICMBio, a redução foi ainda maior: queda de 12,8%, para R$ 609,1 milhões –e R$ 260,2 milhões (43%) ainda sujeitos ao aval dos congressistas.
A redução ocorre apesar de a Amazônia ter registrado o segundo pior agosto em relação a queimadas e desmatamentos –apenas atrás do primeiro ano da gestão Bolsonaro.
Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que, em julho, foram desmatados pouco mais de 1,3 mil km² na região. De julho de 2019 a agosto deste ano, houve uma alta de 34% no desmatamento, na comparação com o mesmo período anterior.
Em relação às queimadas, foi registrado no mês passado um total de 29.307 focos de incêndio na região da Amazônia Legal.
Os altos índices de devastação ocorrem apesar do emprego dos militares para tentar conter os danos na Amazônia, na operação Verde Brasil 2. As Forças Armadas estão atuando na região desde maio, ao custo de R$ 60 milhões mensais.
A redução de recursos nos dois órgãos fica ainda mais evidente quando se compara a proposta orçamentária do governo Bolsonaro com a de 2018, último ano do mandato do presidente Michel Temer (MDB).
O projeto de Orçamento de 2021 prevê R$ 82,9 milhões para ações de controle e fiscalização ambiental. Isso representa redução de 25,4% em relação ao último ano do governo Temer.
Para a ação de prevenção e controle de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias, a proposta orçamentária prevê R$ 29,7 milhões. A queda é de 37,6% em relação a 2018.
Procurados, o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e o ICMBio não responderam a pedidos de comentários sobre o impacto dos cortes orçamentários nas atividades dos órgãos.
O corte de recursos no Ibama e no ICMBio causa preocupação em especialistas. Com menos dinheiro no ano que vem, ficará ainda mais difícil para ambos desempenharem suas atividades.
No caso do Ibama, há um déficit de agentes para fiscalizar irregularidades ambientais e aplicar embargos, diz Suely Araújo, ex-presidente do órgão.
O Ibama teria cerca de 400 fiscais. Uma parte deles está na faixa de 60 anos –grupo de risco da pandemia do novo coronavírus. Isso inviabiliza que participem de operações de campo.
Araújo critica os recursos alocados pelo governo nas operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) realizadas na Amazônia.
"A fiscalização é custosa. A solução é fazer concurso. Com dois meses do orçamento para GLO, haveria dinheiro para pagar um ano de salário de mil novos servidores, com férias, 13º salário e gratificação", diz.
O ICMBio tem panorama ainda mais sombrio, afirma Araújo. Com a redução dos recursos para 2021 e o condicionamento de quase metade do valor ao aval do Congresso, o órgão deve ver sua atuação mais limitada.
"A impressão que eu tenho é que vão matar o ICMBio para tentar enfiar o Ibama e o ICMBio na mesma autarquia. Algumas atribuições do instituto já foram transferidas para o ministério, que criou uma comissão para planejar concessões em unidades de conservação", diz.
Nas contas de Araújo, o corte de recursos vai forçar o instituto a cancelar contratos.
Associações que representam os servidores também argumentam que os cortes no orçamento reduzem drasticamente a capacidade operacional do Ibama e do ICMBio.
"Esses órgãos já sofrem com a não recomposição dos quadros, porque os concursos estão congelados pelo Ministério da Economia", afirma Elizabeth Uema, secretária-executiva da Ascema Nacional (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente).
"As reduções no orçamento contribuem para piorar a situação, porque, de uma maneira geral, reduzem a capacidade operacional e deixam o Ibama e o ICMBio mais dependentes do Exército, da Polícia Federal, que não têm a expertise para atuar nessa área", afirma.
Para a Ascema, a redução dos recursos tem um impacto ainda maior, considerando que muitos servidores da área do meio ambiente estão se aposentando recentemente, o que aumenta a fatia dos recursos para agentes fora da ativa.
Por isso, a diminuição no montante para o Ibama e para o ICMBio se reflete na redução do número de diárias para os servidores que iriam participar de operações e também na falta de equipamentos.
Luciano de Meneses Evaristo, que foi diretor de fiscalização do Ibama entre 2009 e 2018, afirma que a redução tende a afetar contratos mais caros, como o aluguel de aeronaves usadas nas operações.
Esse contrato era custeado pelo Fundo da Amazônia, com investimento estrangeiro, diz. Com o congelamento nos repasses de Noruega e Alemanha, por causa do aumento do desmatamento, os próximos contratos possivelmente deverão recair sobre os cofres públicos.
"Nós recebíamos dados de 80 mil polígonos de desmatamento por ano para checar. Por terra, a gente fazia um por dia e voltava a viatura para a base. Por ar, eram dez. Se reduzirem os contratos das aeronaves, acabou a fiscalização na Amazônia", afirma.
No fim de agosto, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) anunciou a suspensão das atividades de fiscalização, após notícia do bloqueio de cerca de R$ 60 milhões do orçamento da pasta –R$ 20, 9 milhões do Ibama e R$ 39,7 milhões do ICMBio.
Em relação ao Ibama, a pasta havia afirmado que seriam desmobilizados 1.346 brigadistas, 86 caminhonetes, 10 caminhões e 4 helicópteros das operações de combate às queimadas. Para as ações contra o desmatamento seriam desmobilizados 77 fiscais, 48 viaturas e 2 helicópteros.
"O Ibama operando seus aviões é mais certeiro, usa o elemento surpresa. Quando vai uma aeronave das Forças Armadas, eles vão antes fazer uma missão precursora para saber onde pode abastecer e acabam por alertar os alvos", disse Evaristo.
O ex-diretor de fiscalização se referia à Operação Pajé Brabo 2, que foi realizada no dia 4 de agosto, na região de Jacareacanga (PA).
A Procuradoria da República instaurou procedimento para investigar possível vazamento da operação por parte de agentes da FAB (Força Aérea Brasileira), por terem abastecido a aeronave antes da operação no aeroporto da cidade.
Evaristo, porém, exalta o trabalho das Forças Armadas durante sua gestão, construindo bases na floresta para os agentes do Ibama. Ele pondera, no entanto, a atuação deve ser de suporte aos serivdores da área ambiental.