Igor Gielow, da Folhapress
O governo de Donald Trump está interessado em terrenos na Lua -e já propõe entregar as áreas, no caso para mineração, com direito garantido a segurança contra rivais. Parece piada, ainda mais em meio à pandemia do coronavírus, mas é real.
Segundo uma reportagem da agência Reuters, o governo americano está preparando o arcabouço legal para permitir a extração mineral no satélite natural da Terra, que será ofertado em forma de tratado a seus aliados mais próximos.
Os chamados Acordos Artemis retiram o nome do novo programa lunar americano, que prevê a volta de humanos ao satélite, algo que não acontece desde 1972, e o estabelecimento de uma base a partir de 2024.
A Casa Branca não negou o teor da reportagem, publicada na terça (5). Segundo ela, as licenças de mineração seriam ofertadas não para Rússia ou China, países com sofisticados programas espaciais e rivais geopolíticos de Washington, mas para empresas de aliados europeus, do Canadá, Japão e Emirados Árabes Unidos.
Mais: haveria a inclusão de zonas de segurança nas áreas de mineração, o que sugere uma militarização que vai contra o princípio definido no Tratado sobre o Espaço Exterior, de 1967, assinado no auge da disputa entre americanos e soviéticos sobre a primazia fora da Terra e hoje válido em 109 países.
A iniciativa em si transpira o modo Trump de negociar, sempre fugindo dos organismos multilaterais que dominam a diplomacia internacional desde o pós-Segunda Guerra.
Não que seja sua exclusividade. Seu antecessor, Barack Obama, a quem Trump impinge a pecha de globalista, fez passar uma lei em 2015 garantindo direitos de mineração lunar a quem conseguisse chegar até lá.
O motivo é um buraco no tratado de 1967, que só é explícito contra a posse territorial de corpos celestes por parte de Estados -basicamente porque empresas construindo foguetes para ir à Lua extrair minério fosse coisa de ficção científica na época.
O potencial econômico da Lula é enorme, ainda que suas condições sejam terríveis, a começar pela amplitude térmica de 173 graus negativos a 127 graus positivos. Pesquisas com sondas identificaram a presença de água subterrânea, provavelmente congelada, hélio-3 e vários metais raros em seu subsolo.
A água seria imprescindível para a manutenção de trabalhadores no local e para fazer combustível de foguetes. O hélio-3 poderia ser gaseificado e trazido para a Terra, onde é visto como um dos elementos futuros da indústria de energia.
E os metais raros, como o escândio, estão em toda sorte de aparelhos eletrônicos do mundo -e 90% de suas reservas, que vão durar talvez 20 anos, estão na China. Assim, é fácil entender o interesse americano.
Por isso o Artemis (nome da deusa grega associada à Lua, irmã gêmea de Apolo, que deu nome ao primeiro programa lunar americano) foi criado, em 2017.
É um programa coordenado pela Nasa, orçado em US$ 35 bilhões (quase R$ 200 bilhões), mas que emprega recursos da iniciativa privada. São subcontratadas, entre outras, a Blue Origin, do magnata Jeff Bezos, e a SpaceX, do bilionário Elon Musk.
Musk já presta serviços há uma década à Nasa, com o foguete de carga Falcon-9, e deve fazer o primeiro transporte americano de astronautas desde o fim dos ônibus espaciais, em 2011 -desde então, viagens tripuladas à Estação Espacial Internacional são exclusividade dos velhos e confiáveis Soiuz russos.
A renovada corrida lunar tem outros atores. Planejam bases na Lua russos e chineses, sendo que os últimos estão mais adiantados, tendo lançado um veículo transportador de carga planejado para chegar até o satélite na terça (5).
Indianos também querem se unir aos três colegas mais velhos do clube espacial e pousar uma sonda lunar, mas a tentativa feita em 2019 falhou, após uma missão bem-sucedida na órbita do satélite em 2008.
O Kremlin comentou, nesta quarta (6), o relato. Afirmou que tudo dependerá da obediência a leis internacionais, nominalmente o texto de 1967.
A obsolescência do tratado da Guerra Fria já é vista no seu ponto mais sensível, a militarização. Russos estão particularmente avançados no setor, tendo testado pela oitava vez seu interceptador de satélites PL-19 Nudol em abril.
Chineses e americanos experimentam capacidades semelhantes, que têm graves implicações: a explosão de um satélite militar, por exemplo, pode espalhar detritos em órbita e colocar em risco coisas vitais para a vida na Terra do século 21, como satélites da rede GPS ou de comunicação.
A crescente sofisticação de armas usadas no planeta, como mísseis hipersônicos, depende da guiagem por satélites militares. Esses podem ser atacados e precisam, pois, de proteção.
Em dezembro de 2019, o governo Trump criou o Comando Espacial, o sexto ramo das Forças Armadas americanas. Ele é ligado à Força Aérea, que cedeu 16 mil militares para integrar o novo órgão, e estará totalmente funcional no meio de 2021.
Houve algo de chacota sobre o logotipo do comando, que lembra o símbolo da Frota Estelar do clássico "Jornada nas Estrelas", mas o primeiro lançamento de satélite militar já ocorreu em março.
Foi a sinalização mais clara, dada pela potência que controla quase 40% do orçamento bélico do mundo, de que as regulações do século tendem a ficar para trás.