Erick Rodrigues
A iniciativa da plataforma de streaming Netflix em buscar parcerias para oferecer conteúdos de vários países, para alimentar a avidez dos assinantes por séries interessantes e diversas, carrega duas características principais. Se, por um lado, essa necessidade de aumentar o catálogo do serviço resulta em um grande número de produções médias e não tão originais, por outro, permite que o público “treine” o olhar e entre em contato com materiais e outras línguas e culturas. Dentre as opções disponíveis, “The Rain”, série produzida na Dinamarca, acabou chamando atenção de muitos espectadores nas últimas semanas, mesmo não apresentando nada de novo.
Na primeira temporada, a produção começa a contar a história sobre uma misteriosa chuva que cai e mata todas as pessoas expostas a ela. Tentando salvar a família, um cientista protege os filhos Simone (Alba August) e Rasmus (Lucas Lynggaard Tønnesen) dentro de um bunker e, em seguida, some com a justificativa de que precisa encontrar uma forma de resolver o problema. Seis anos se passam até que os irmãos decidem deixar a estrutura para tentar sobreviver a um mundo estranho e perigoso.
Na busca pelo pai que nunca voltou, Simone e Rasmus acabam encontrando um grupo de jovens que sobrevive da comida que encontra e das condições precárias que aquela situação impõe a eles. Liderados por Martin (Mikkel Følsgaard), eles acompanham os protagonistas na jornada para descobrir o que aconteceu com o cientista, sempre na esperança de conseguir deixar a zona de quarentena que se instalou na região atingida pela chuva.
Nessa trajetória, o grupo descobre sociedades e fés alternativas que surgem a partir do fenômeno que atingiu a área e matou milhares. Eles também são perseguidos de perto por agentes da empresa Apollon, a responsável pela misteriosa chuva que caiu.
Disponibilizado no mês passado, o segundo ano de “The Rain” aprofundou o espectador nas particularidades do vírus espalhado pela chuva. A trama mostra que Rasmus pode ser uma peça fundamental na busca por um antídoto e, por isso, ele passa a ser perseguido pela Apollon e por pessoas esperançosas em receber uma recompensa pela entrega do jovem.
Nos episódios da segunda temporada, o roteiro passa a retratar o vírus como uma estrutura forte e simbiótica, que depende de um hospedeiro e faz de tudo para conseguir se manter ativo. Por isso, Simone faz de tudo para buscar uma cura para o irmão, o que gera conflitos entre o grupo, uma vez que parte dele defende a ideia de entregar Rasmus para a empresa, por entender que ninguém estava seguro com o vírus agindo através do personagem.
Desde o início, “The Rain” mostrou que apostaria em enredos e soluções já muito abordados anteriormente. Em alguns momentos, não é nada difícil prever o desenrolar dos acontecimentos da série. Mesmo assim, é preciso admitir que a trama consegue prender a atenção e cria uma maratona satisfatória para aqueles que gostam de consumir muitos episódios de uma vez só. Nessa primeira leva de capítulos, a jornada individual de cada um dos personagens, mostrada através de flashbacks e dentro do contexto da história, desperta curiosidade e consegue movimentar a narrativa, ainda que com limitações.
Na primeira temporada, a série também instiga por ensaiar uma abordagem relacionada ao meio ambiente, com insinuações textuais de que a chuva mortal está ligada a uma tentativa da empresa em alterar características da natureza. Nesse aspecto, os episódios do segundo ano ficam muito a dever, já que esse enredo é radicalmente abandonado e perguntas ficam sem resposta. Essa escolha do roteiro acaba afetando a curiosidade alimentada no início, reduzindo o interesse pela narrativa.
Para focar mais na fuga de Rasmus, “The Rain” investe em ação e, com isso, desperdiça bons ganchos e tramas a serem exploradas. A busca pelo pai dos protagonistas, por exemplo, que conduziu as ações da primeira temporada, acaba resultando pouco importante para a história, com o personagem saindo de cena de maneira brusca e clichê. Ao separar o grupo na maior parte do segundo ano, o roteiro tenta ampliar os focos da história, mas isso só revela essas tramas secundárias têm pouco fôlego para se sustentarem.
Particularmente, também não me agrada muito o caminho que a produção toma para retratar a evolução do vírus que estava presente na chuva e vive dentro de Rasmus. Misturando várias histórias vistas com frequência no cinema, “The Rain” deixa a sutileza de lado e transforma o vírus quase que em um alienígena, que domina tudo o que toca e é difícil de destruir. Além dessa abordagem não ser nova, também fica menos interessante pelo fato de a série abandonar as características apresentadas no primeiro ano, quando a chuva era a grande ameaça.
Depois de empolgar no início, com uma narrativa que instigava, apesar da falta de originalidade, “The Rain” constrói uma segunda temporada que consegue reduzir o interesse pela história. Desvalorizando personagens e abandonando abordagens importantes, a série deixa perguntas sem resposta e toma um caminho diferente, que, inclusive, sinaliza certo desgaste da trama. Mesmo com tudo isso, seria injusto dizer que fazer essa maratona é perda de tempo.
THE RAIN
ONDE: Netflix (duas temporadas disponíveis)
COTAÇÃO: ★★ (regular)