Rogério Pagnan, da Folhapress
“Esse pessoal com certeza assistiu à ‘Casa de Papel”, afirmou um integrante da cúpula de inteligência da Polícia Civil de São Paulo ao analisar o assalto que, na quinta-feira (25), levou 720 quilos de ouro do terminal de carga do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP).
A comparação com a série em que um bando de ladrões apelidados por codinomes geográficos invade a Casa da Moeda da Espanha e o Banco Central espanhol com planos mirabolantes indica o nível de roteirização com que o crime em Cumbica, segundo a polícia, foi perpetrado.
Os investigadores estimam que a quadrilha tenha gasto cerca de R$ 1 milhão para levar a cabo o roubo. Até a conclusão desta edição, porém, não havia informação de quem era o dono do ouro, que estava no aeroporto para ser transportado para os Estados Unidos e para a Suíça e tem valor estimado em R$ 120 milhões.
Se o assalto ao terminal de carga, às 14h30 de quinta, durou dois minutos e meio, a operação criminosa consumiu mais de 30 horas.
Começou por volta das 8h da véspera, quando uma ambulância encardida atravessou a rota do aeroviário Peterson Patrício, 33, na rua Pacheco do Couto, minutos após ele sair de casa, na Vila Ester, zona leste da capital.
Forçado a parar, Patrício viu um homem armado descer do veículo de emergência, andar até seu carro e retirar dele a mulher, Priscila, levada para a ambulância pelo bandido.
Em seu depoimento à polícia, relatado a jornalistas pelo delegado João Carlos Miguel Hueb, Patrício disse que o homem fez então uma intimação: “A gente já sabe sua função lá [no aeroporto], a gente está te rendendo por causa disso. Queremos que você nos leve até a carga de ouro, que a gente sabe que vai chegar, que vai ser entregue tal dia, tal hora”.
A partir daí, com sua mulher levada para um local desconhecido e sob ameaça, o funcionário do terminal teria sido obrigado a realizar as tarefas que a quadrilha definiu, declarou a polícia.
Por volta das 16h da mesma quarta-feira (24), ele deveria esperar um novo contato em um ponto da avenida Jacu-Pêssego, também na zona leste da capital.
Patrício disse em seu depoimento, tomado na madrugada desta sexta (26), que teve receio de represálias e, por isso, não chamou a polícia. Cumpriu as ordens e esperou por parte do bando na hora e no local marcados.
Dois bandidos apareceram e levaram o aeroviário de volta para casa. Ali, fizeram reféns a sogra dele, um cunhado e três crianças, sendo duas delas seus filhos (as idades não foram informadas).
Todos ficaram sob o domínio dos criminosos até a tarde de quinta-feira (25), por volta das 13h, quando Patrício foi liberado para ir trabalhar. Ele deveria agir normalmente no trabalho e esperar pelos assaltantes no interior do aeroporto.
O plano estabelecia que ele ajudasse a quadrilha a entrar no terminal de carga e indicasse onde o ouro estava.
Patrício seguiu as orientações. Quando saiu de casa, dois criminosos permaneceram com a família dele, enquanto a mulher era mantida em cativeiro em um segundo local, desconhecido.
Por volta das 14h30, os criminosos entraram na área de cargas do terminal em duas picapes pintadas para parecerem viaturas da Polícia Federal, mostram as imagens feitas por câmeras de segurança. Eram oito homens, segundo a concessionária que administra o local, GRU Airport. Eles estavam vestidos como policiais federais.
Primeiro, fizeram um porteiro refém e, na sequência, embarcaram Patrício no banco de trás de um dos veículos. Foi ele quem indicou onde estava o ouro e ajudou a carregar a caminhonete dos criminosos. Trinta e um malotes foram colocados na caçamba de uma das caminhonetes, enquanto a outra guardava a entrada.
Após embarcarem o ouro, o funcionário foi levado mais uma vez como refém dos bandidos, que seguiram para um terreno na região do Jardim Pantanal, zona leste, a 12 km do aeroporto. Ali, transferiram o ouro dos veículos clonados da PF para duas caminhonetes de luxo que já esperavam no local.
Todo o tempo, relataram as vítimas, os bandidos estavam com toucas estilo ninja e usavam luvas, para não deixar digitais impressas e, com isso, evitar que a polícia os identificasse. Também usaram extintores de incêndio com pó químico, aplicando o produto na tentativa de apagar eventuais marcas deixadas acidentalmente nos veículos.
A bordo dessas novas caminhonetes, os bandidos seguiram para uma outra área na avenida São Miguel, região de São Miguel Paulista, ainda na zona leste. Atrás de um salão de forró, acionaram a última parte do plano: trocar novamente de veículo.
A polícia diz acreditar que pelo menos dez pessoas tenham participado da operação criminosa, que empregou ao menos seis veículos, armamento –inclusive dois fuzis avaliados em R$ 50 mil cada um– e outros equipamentos, como coletes e roupas especiais.
As caminhonetes, duas delas blindadas e envelopadas para mudar de cor, não são produto de roubo: foram compradas especialmente para essa ação.
Patrício foi liberado na primeira troca, das viaturas clonadas para as caminhonetes brancas. Quase simultaneamente, sua família e sua mulher também eram libertados pelos criminosos.
“Dá para entender que é uma quadrilha muito organizada, conhece meios de investigação, pois utilizaram inclusive extintor de incêndio em veículos. Não foi o primeiro roubo deles, com certeza”, disse o delegado.
Desde que o bando trocou de carros pela segunda vez e fugiu, a polícia não tem pista de seu paradeiro.
Não havia, até a tarde desta sexta (26), informação sobre esses veículos.