Rafael Balago, FOLHAPRESS
Na noite desta quarta (23), a ONU realizou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança para debater a crise entre Rússia e Ucrânia. O encontro começou perto de 21h40 em Nova York (23h40 em Brasília), e terminou sem que medidas fossem adotadas -o que de resto era previsível.
O primeiro discurso foi de António Guterres, secretário-geral da ONU. Ele fez um apelo claro ao presidente russo Vladimir Putin: "Se uma operação está sendo preparada, eu só tenho uma coisa a dizer, do fundo do meu coração: impeça suas tropas de atacar a Ucrânia. Dê uma chance a paz. Muitas pessoas já morreram".
A operação estava prestes a estourar. Poucos minutos após a fala de Guterres, Putin anunciou em discurso na TV estatal russa uma operação militar em território ucraniano.
A reunião na ONU, no entanto, prosseguiu no mesmo tom por mais de uma hora. Os representantes dos integrantes do Conselho de Segurança seguiram lendo seus discursos em que pediam, de modo geral, para resolver a questão por modos diplomáticos, apesar dos alertas da gravidade da situação.
Linda Thomas-Greenfield, representante dos EUA, fez um dos discursos mais incisivos. "Estamos aqui nesta noite porque acreditamos que uma invasão de escala completa da Ucrânia pela Rússia é iminente. Nesta noite, vimos a Rússia fechar o espaço aéreo, mover tropas para o Donbass e mover forças para posições de combate".
O embaixador Ronaldo da Costa Filho falou em nome do Brasil. "Os relatos sobre a movimentação de tropas em certas áreas da Ucrânia geram grande preocupação. A ameaça ou o uso de força contra a integridade territorial, soberania e independência política de um estado-membro da ONU é inaceitável", disse.
A reunião do CS foi presidida por Vasili Nebenzia, representante da Rússia. A posição de liderança do colegiado é rotativa e muda a cada mês. Segundo o jornal The Guardian, ele comentou aos repórteres: "Estou começando a gostar das reuniões noturnas."
A vez de Nebenzia falar em nome de seu país veio cerca de uma hora após o anúncio de Putin, e a partir daí houve maior tensão. Depois de fazer vários ataques ao governo ucraniano e de dizer que o Ocidente não se importava com o sofrimento dos moradores nas áreas separatistas da Ucrânia, o embaixador russo comentou a fala de Putin.
"O objetivo da operação é proteger as pessoas que, por oito anos, tem sofrido genocídio por parte do governo de Kiev", afirmou.
O representante ucraniano, Serguei Kislitsia, falou em seguida. "Minutos atrás, o embaixador da Rússia confirmou que seu presidente declarou guerra ao meu país. Quando cheguei aqui, uma hora atrás, pretendia pedir ao embaixador russo para confirmar em público que as tropas russas não iriam começar a atirar em ucranianos hoje. Mas isso se tornou inútil. Então agora gostaria de pedir ao embaixador para dizer se esses movimentos das tropas não vão bombardear cidades ucranianas", questionou.
"Isso não se chama guerra. Isso se chama operação militar especial no Donbass", respondeu Nebenzia, sem se alongar. E passou a palavra para a representante alemã.
Reino Unido, França e Alemanha, entre outros, fizeram duras críticas à operação anunciada por Putin. "A decisão ser anunciada no mesmo momento em que o conselho está reunido indica o desdém da Rússia pela lei internacional e pelas Nações Unidas", disse o representante francês, Nicolas de Rivière.
Depois de alguns discursos, o representante ucraniano voltou a pedir a palavra. "Não há purgatório para criminosos de guerra. Eles vão direto ao inferno", disse Kislitsia. A reunião foi encerrada em seguida, por volta das 23h (1h de quinta em Brasília), pois não havia mais pedidos de fala. Não houve anúncio de medidas.
Alguns países, como Reino Unido e Albânia, pediram que o colegiado adote uma resolução sobre o caso, o que abriria caminho para punições à Rússia. No entanto, o país é um dos membros permanentes do Conselho e, como tal, tem poder de veto para barrar resoluções. Assim, é capaz de conter medidas que a prejudiquem. O colegiado pode aplicar sanções internacionais e ordenar o envio de forças de paz, entre outras funções.
Esta foi a segunda reunião de emergência do CS em três dias. Na segunda (21), os representantes também fizeram um encontro noturno, que terminou da mesma forma: sem a adoção de medidas.
Após o fim da reunião, Guterres voltou a se dirigir a Putin, por um tuíte: "Em nome da humanidade, traga suas tropas de volta para a Rússia. Este conflito deve parar agora".