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José Maria Trindade: A Covid me pegou

Jovem Pan News
Postado em: 29/07/2020

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José Maria Trindade, repórter da Jovem Pan

O diagnóstico da Covid-19 me atingiu como um petardo. Eu sabia desta possibilidade, mas quando o exame é apresentado à sua frente com o “detectado” um filme passa na sua cabeça. Dançou, virou estatística e agora é torcer para não progredir no calvário dos que acabam com sintomas graves. Dores pelo corpo, no fundo do olho e a garganta ardendo. O exame já é um evento próprio. Hastes longas e um estupro nas narinas. Uma de cada vez, a impressão é de que procuram vestígios no cérebro. Lágrimas inevitáveis e comuns, a enfermeira já antecipa o lenço. Quatro dias de espera e antes mesmo do resultado a certeza já está cristalizada, tudo comprova e não dá mais para negar. O que mais angustiava era um mal-estar sistêmico diferente de outras doenças. Não é uma gripezinha e muito menos fantasia. Esta é uma virose séria, e o que mais assusta é o potencial para piorar. Já acostumado a gripes e uma dengue, pensei: tiro de letra. Tirei, mas fiquei com a impressão de que a qualquer momento fugiria do controle. 

Nos primeiros dois dias, o mal-estar não te deixa fazer absolutamente nada. Eu tinha planos para os dias seguintes, mas o médico alertou que a hora seria de atenção máxima. Não houve recomendação da tal Cloroquina nem outros tratamentos radicais. A sugestão aceita foi de suplementação alimentar à base de zinco. O objetivo nem foi de curar, mas fortalecer as defesas e sabia que muitos esportistas já tomam esta suplementação como prevenção e complemento de micronutrientes. Segui a vida com controle total da saturação de oxigênio, avaliação da pressão arterial e a temperatura. A insistência do médico em medir os parâmetros me fez entender que os sintomas neste caso da infecção pelo novo coronavírus podem mudar de uma hora para outra, e saber exatamente o momento de procurar o hospital pode definir muito na sua recuperação e, sem exagero, mudar o parâmetro entre viver ou morrer. Atenção: dificuldade para respirar e manchas pelo corpo são alarmes importantes para correr em busca de ajuda. 

Os primeiros dias são angustiantes. O resumo é de que se faz hora à hora e dia após dia. O caminhar da Covid é assim, um dia de cada vez. Quando se acorda um check-up mental é realizado em silêncio para definir a progressão dos sintomas. Respirações profundas, pulmão muito bem, sem dores ou cansaço. Cabeça, com dores ou sem dores. A febre cedeu ou ainda insistente e finalmente o levantar para avaliar os músculos e suas dores. Essa rotina diária inclui imediatamente a pergunta de todos os dias: “E aí?! Melhorou?”. No quinto dia dos sintomas e depois de ter em mãos os resultados dos exames, a família e amigos passam a acompanhar com uma insistência que, hora ajuda e não raros são os momentos, incomodam. Não é agradável falar das dores de cabeça, da dificuldade em lidar com o isolamento e da insistente diarreia que, entre outros males, acaba com a sua dignidade. O acometido pela Covid é um “sem paciência”.  Acaba a compreensão e a irritação é muito grande. O isolamento até que ajuda nesta nova fase. Não seria mesmo bom dividir todas as angústias. Lá fora a vida anda normalmente e você demora a tomar pé desta história. É preciso alimentar com informações a rede externa e o trabalho. Não é fácil lidar com esta realidade paralela. 

Quando está nas suas mãos o resultado positivo, o alerta médico é duro. A responsabilidade de lidar com a condição de infectante não é fácil.  Em primeiro lugar, até descobrir que está com o vírus, uma rede de prováveis infectados por você tem que ser avisada.  No trabalho, nas andanças diárias e na família. Pesa sobre sua cabeça a possibilidade de infectar alguém que não resistirá aos sintomas e, neste caso, você se transformaria num portador da sentença de morte. A realidade se impõe e os noticiários noturnos da TV te assustam. Mais de 1.000 mortes por dia, mais de 2 milhões de infectados e os nomes e as caras dos que não resistiram. Esta realidade te assusta e um estado de desamparo grande, mas te leva para a realidade da doença. Um dia depois do outro.

Passados 10 dias, os sintomas já não são fortes, ainda o desânimo e mal-estar. A sensação de não sentir cheiro é esquisita e chega a ser engraçada. O álcool, arde nas narinas, mas, se não ardesse, você nem sentiria que aquele líquido é álcool. Sem o paladar, a comida se transforma numa sensação de tato. A preferência é pela textura. O macio é sempre melhor, sem muito caldo e com cara bonita. Este é um bom momento para evitar o desânimo na alimentação. É preciso ir em frente e para tal é preciso comer. Depois de 12 dias, além do distanciamento dos sintomas, aparece a preocupação com a vida e a falta que faz o trabalho e a convivência diária. Hora de pensar em um novo exame. O resultado negativo é o passaporte para a vida. Ficam para trás as ameaças reais de hospital, intubação, apagão e talvez morte. Diferente do que imaginava, no pós-Covid não fica a impressão de invencibilidade. A incerteza sobre a imunização me leva a ter muito mais cuidado para não passar novamente por todo o processo. 

Tenho um filho médico que está na linha de frente atendendo emergência lotada de infectados. É a nova realidade do atendimento médico. Um garoto no primeiro semestre de profissão e já na batalha que vai marcar a sua vida para sempre. Os relatos são assustadores e me fazem ver que fui um privilegiado e os sintomas pesados para mim, na verdade, são leves e não mereceram internação. O vírus está circulando, fazendo vítima e não indica ainda que está de partida. No meio deste sentimento, de que passei mais um degrau, mais um dia e agora distante da possibilidade de recrudescimento, recebo o telefonema que mais temia, o meu filho, médico, conhecedor das possibilidades do perigo destrutivo do vírus avisa que está positivo, com sintomas, e que não dormiu bem. Estava indo para o hospital com falta de ar, cansaço e sinais de que o pulmão foi comprometido. Ele sabia do que estava falando. Foi o pior momento de todo o processo. Senti um baque, e não poderia, como antes, correr com o meu filho para o hospital. Ele foi sozinho, o pulmão 25% comprometido, sintomas clássico, mas sem internação. Um alívio, mais uma vez sobrevivemos a esta ameaça que estacionou sobre os destinos recentes da humanidade. A lição é de que não devemos nos desanimar, mas desdenhar os perigos da pandemia é uma ingenuidade.

*José Maria Trindade é repórter e comentarista de política na Jovem Pan.

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