Bernardo Caram, da Folhapress
Marca das gestões do PT na área de infraestrutura, a transposição do rio São Francisco deve ser entregue à iniciativa privada pela gestão Jair Bolsonaro no próximo ano. O governo planeja fazer o leilão de concessão em julho de 2021.
A empresa vencedora cuidará da operação dos reservatórios, estações de bombeamento e 477 quilômetros de canais, que alcançam quatro estados do Nordeste –Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
O governo tem feito sondagens com investidores e busca empresas de grande porte que poderiam operar um sistema de complexidade alta.
No radar da equipe econômica, estão companhias como a brasileira Weg, que já atua em sistemas de distribuição de água e irrigação em outros países.
"O nosso objetivo é garantir o suprimento hídrico. Nas secas que ocorreram no Nordeste de 2013 a 2016, os quatro estados e o governo federal gastaram de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões em medidas emergenciais para garantir o acesso da população à água", disse à reportagem o diretor de programa da secretaria do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), André Arantes.
A transposição do São Francisco é a maior intervenção hídrica do Brasil. As obras começaram em 2007, no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O objetivo é interligar as águas do São Francisco a rios dos quatro estados beneficiados.
A obra está 97% concluída, segundo o governo. O eixo leste do empreendimento foi inaugurado em 2017 e está em fase de pré-operação. O eixo norte tem previsão para início das operações no primeiro semestre de 2021.
Entre as justificativas para a privatização, o governo argumenta que o empreendimento, de alto custo, é dependente do Orçamento da União, limitado por causa da crise fiscal.
O plano da concessão é uma parceria entre o PPI, do Ministério da Economia, e o Ministério do Desenvolvimento Regional.
Membros do Executivo argumentam que o governo não deveria atuar diretamente na operação de sistemas desse tipo, mas sim se preocupar com a regulação da atividade, assim como faz no setor elétrico.
Os investimentos da União na obra já alcançam R$ 10,8 bilhões e o valor total para a conclusão é estimado em R$ 12 bilhões. Além disso, o custo anual de operação e manutenção do sistema gira em torno de R$ 280 milhões, valor integralmente bancado pelo Tesouro Nacional.
Os contratos da concessão devem ter duração de 25 a 30 anos. Para fazer a modelagem, o governo contratou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Ainda não há definição do modelo, e a conclusão dos estudos deve ser apresentada no primeiro trimestre do próximo ano.
Para atrair interessados, o governo permitirá que eventuais investidores gerem energia solar junto ao sistema da transposição, já que a região recebe alto nível de incidência do sol.
"Nós temos uma demanda bastante firme de energia, que é algo equivalente a 70% do custo de operação e manutenção do sistema. Então, tem um potencial atrativo para uma empresa interessada em prover a autoprodução para o projeto", afirmou Arantes.
A ideia é que a empresa ou o consórcio vencedor possa usar a energia para alimentar a operação e eventualmente vender o excedente de energia produzida.
Além disso, o empreendimento vai gerar receita por meio da distribuição da água que flui pelos canais. Cada estado beneficiado pagará pelo volume que entrar em seu sistema. A forma de pagamento ainda está em discussão entre os entes e a União.
Os técnicos do governo afirmam que uma das premissas da concessão será a obrigação de que o operador preste o serviço cobrando valores baixos, possíveis de serem pagos pelos usuários.
"A gente tem buscado primordialmente a redução de custo. A ideia é perseguir a modicidade tarifária com a garantia da prestação do serviço pelo setor privado", disse o diretor de programa do PPI.
A estimativa do governo é que a transposição beneficiará até 12 milhões de pessoas em 390 municípios quando a operação estiver em pleno funcionamento.
Embora parte do empreendimento tenha sido inaugurada em 2017, a obra apresentou falhas. No mesmo mês da inauguração, houve um rompimento que fez com que a operação fosse interrompida por 15 dias.
Como mostrou reportagem do jornal Folha de S.Paulo em 2019, a construção passou a apresentar sinais visíveis de deterioração: paredes de concreto rachadas, estações de bombeamento paralisadas, barreiras de proteção rompidas, sistema de drenagem obstruído e assoreamento do canal em alguns trechos.
Em agosto deste ano, cerca de 2.000 pessoas tiveram de ser evacuadas nas proximidades de uma barragem no município de Jati, na região sul do Ceará (cerca de 530 quilômetros de Fortaleza).
Na ocasião, uma tubulação se rompeu e gerou um vazamento na obra, que faz parte do eixo norte do projeto. O trecho havia sido inaugurado dois meses antes pelo presidente Jair Bolsonaro.