Sylvia Colombo, FOLHAPRESS
A Ford está na Argentina há 107 anos. Embora o país enfrente uma grave crise econômica, há pouco menos de um mês, a empresa anunciou um investimento local no valor de US$ 580 milhões, o equivalente a pouco mais de R$ 3 bilhões.
Fontes do setor afirmam que a decisão encerrar a produção no Brasil e mantê-la na Argentina não tem relação com uma eventual melhora na perspectiva econômica do país vizinho –pelo contrário. A situação financeira do país vizinho, que já era complicada, pirou diante do aumento de gastos para combater os efeitos do coronavírus.
Os economistas já projetam um ano de 2021 com crise aguda, recessão, alta inflação e forte queda do PIB (Produto Interno Bruto).
Ocorre que num critério considerado importante, a Argentina tem condições melhores: os custos de produção são mais baixos que no Brasil, em especial com a mão de obra local, que é muito mais barata. É preciso lembrar que o peso argentino é uma das moedas que mais perdeu valor em 2020, cerca de 90%.
As linhas de montagem na Argentina são próprias para a fabricação de uma alta gama de veículos, especialmente de picapes e SUVs, segmentos em que a empresa deseja focar esforços no médio e no longo prazo.
A produção de carros leves e populares vai perder espaço. O segmento registrou queda de vendas em 2020 e não há projeção de aumento para 2021.
Quando ocorreu a oficialização do novo investimento da Ford na Argentina, em 18 de dezembro, o presidente da empresa no país, Martín Galdeano, afirmou que entendia as "restrições de orçamento do governo argentino e a alta de impostos com a pandemia", mas que, pensando a longo prazo, essas dificuldades ficariam para trás.
Cerca de 70% desse novo investimento estão sendo feitos na fábrica de General Pacheco, na província de Buenos Aires. A empresa vai priorizar a produção, a partir de 2023, de um novo modelo de sua caminhonete, a Ranger. A nova versão será mais digitalizada e vai atender o mercado em toda a região.
Para justificar esse investimento no momento em que os casos de Covid-19 aumentam, Galdeano explicou, numa entrevista ao jornal La Nación, que o segmento de picapes foi o que "menos sofreu com a crise da Covid-19". Segundo ele, enquanto as vendas de automóveis leves caíram 32%, a retração em picapes e SUVs ficou em 16%".
Em parte, os dados de aquisições de veículos refletem o baque da pandemia na renda de famílias de classe média argentina, que tiveram de cortar aquisições de bens mais caros. A classe alta, porém, não foi tão afetada e manteve o padrão.
A Ford também está fortalecendo o parque argentino para atuar como polo exportador na região.
Atualmente, 70% da produção local já é exportada, mas a previsão é que essa fatia cresça nos próximos anos.
No plano de reestruturação, também ganham espaço o Uruguai, que produz o novo Transit, e o México, que trabalha com os modelos Bronco e Bronco Sport.
Mas a saída da produção da Ford do Brasil tem repercussões negativas na Argentina. A empresa irá descontinuar a fabricação do Ford Ka e do Ecosport, feitos no Brasil. Esses modelos venderam 10.217 e 7.453 unidades na Argentina em 2020, respectivamente, segundo dados da Acara, a associação de concessionários do país.