José Marques, da Folhapress
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), vetou integralmente um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa que previa imunidade a agentes públicos do estado que informassem a autoridades sobre irregularidades nos locais em que trabalham, inclusive em relação aos seus superiores.
Como a Folha de S. Paulo revelou no ano passado, o estado vem processando administrativamente servidores que apontaram ao Ministério Público suspeitas dentro do Governo de São Paulo, especialmente na Secretaria da Fazenda e Planejamento.
O projeto de lei vetado havia sido aprovado por unanimidade, em setembro, no Legislativo paulista.
O texto prevê que "nenhum agente público poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência a autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente, inclusive ao Ministério Público, para a apuração de informação concernente à prática de crimes ou atos de improbidade que tenha conhecimento".
Essa cláusula é similar a uma já existente no estatuto federal dos servidores desde 1990. O projeto de lei volta para análise da Assembleia Legislativa, que decidirá se mantém ou derruba o veto.
Na sua justificativa, Doria afirma que há "vício de iniciativa" no projeto, porque o texto trataria de regime jurídico dos servidores públicos e militares e teria que ser enviado ao Legislativo por iniciativa do próprio governador.
Também diz que deveria ser objeto de uma lei complementar, e não ordinária, e que não deveria tratar de questões relativas a processos civis e penais, que são de competência da União.
Mas, além disso, afirma que "a proteção que se busca conferir aos agentes públicos, por meio do projeto de lei em tela, já existe no ordenamento jurídico".
A justificativa aponta lei estadual que prevê como dever de servidor "representar aos superiores sobre todas as irregularidades" e lei federal que afirma que servidores devem provocar o Ministério Público "sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção".
A lei federal não trata de crime, e a estadual esbarra na queixa de diversos servidores: ter que representar aos superiores irregularidades que, muitas vezes, são os superiores que cometem.
"Quer isso dizer que os servidores públicos e os militares do Estado que, licitamente, adotam o comportamento presente no projeto de lei em exame, atuam em estrito cumprimento do dever legal. E, como se sabe, o estrito cumprimento do dever legal obsta a responsabilização penal ou civil daquele que atuar sob tal excludente", diz o governador. O veto foi publicado no Diário Oficial desta quarta-feira (21).
Apesar dessa justificativa, o Governo de São Paulo tentou demitir nos últimos anos um funcionário que ajudou o Ministério Público a desvendar a chamada máfia do ICMS, acusada de receber propina para cobrar menos tributos de empresa.
Esse funcionário, o fiscal de rendas Henrique Poli Júnior, teve que ir à Justiça para manter o seu emprego e, por unanimidade, obteve decisão positiva do Tribunal de Justiça de São Paulo, que apontou que ele agiu com "zelo pela coisa pública e inquestionável probidade em sua atuação profissional".
Outros dois agentes fiscais, João Ribeiro e Gustavo Theodoro, também foram alvos de processos administrativos por terem apontado suspeitas de irregularidades dentro governo paulista.
No ano passado, funcionários da CPTM, estatal paulista de trens, também se queixaram na Assembleia que temiam ser transferidos para locais distantes caso questionassem eventuais irregularidades no órgão.
"Na teoria é muito bonito o que o governador justificou, mas na prática a gente está vendo sim perseguições a agentes públicos", diz o deputado estadual Danilo Balas (PSL), autor do projeto de lei.
Ele disse que considera o veto absurdo e que o projeto tramitou em três comissões, inclusive de Constituição e Justiça, antes de ir ao plenário. O objetivo era "a valorização dos agentes públicos que denunciassem casos de corrupção".
"O governo alega que é matéria privativa do Executivo legislar sobre servidor público, mas eu não falo especificamente de servidor, eu falo de agente público, o que é mais amplo", diz o deputado.
"Aquele que presta, por exemplo, temporariamente um serviço nas eleições, é um agente público temporário. Também não falo de militar, que foi um dos argumentos para o veto."
Balas afirmou que trabalhará pela derrubada do veto na Assembleia.