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Diploma falso: professora altera currículo após contestação de passagem por Harvard

Postado em: 15/05/2019

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FOLHAPRESS

Reconhecida por seus triunfos acadêmicos apesar das dificuldades para avançar na carreira -sua história é cogitada para virar um filme-, a química e professora Joana D’Arc Félix de Sousa citava um item em seu currículo acadêmico que inexiste: um pós-doutorada em Harvard, uma das principais universidades do mundo.

O caso foi revelado nesta terça-feira (14) pelo jornal O Estado de S. Paulo, que mostrou que a professora, que mora em Franca (a 400 km de São Paulo), não concluiu o pos-doc,
O currículo Lattes de Joana Félix, como é conhecida, incluía sua formação nos EUA e era constantemente citado em eventos que exaltavam sua história de vida. Félix, que também é palestrante e tem mensagens motivacionais compartilhadas em redes sociais, alterou o documento na madrugada desta quarta (15), após a publicação da reportagem.

A reportagem não conseguiu ouvir a professora. Ela não atendeu as ligações nem respondeu mensagens enviadas para seu celular.

O fato de não ter feito pós-doc, porém, não é a única inconsistência apontada pelo Estado em sua trajetória. As dúvidas surgem já a respeito de sua idade -tanto sua idade atual quanto aquela com que ingressou na faculdade.

Em entrevistas, Félix disse mais de uma vez que aos 14 anos de idade foi aprovada nos vestibulares da USP (Universidade de São Paulo), Unesp (Universidade Estadual Paulista) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e que iniciou a graduação em química na última delas.

De fato, ela estudou na Unicamp, mas a partir de 1983, quando supostamente tinha 19 anos. Ao Estado de S. Paulo, que a entrevistou em 2017 e 2019, ela afirmou ter atualmente 55 anos. À Folha de S.Paulo, em agosto de 2018, porém, ela afirmara ter 48 anos. Em outra entrevista que reproduz, ela afirma ter estudado em Harvard aos 24 anos, o que levaria seu ano de nascimento para 1974 (44 ou 45 anos hoje).

Já em sua página, em uma rede social, ela afirma ter nascido em 1980, o que significa que ela teria hoje no máximo 39 anos.

Foi essa incongruência que levantou suspeitas do repórter Felipe Resk, do Estado, ao entrevistá-la em 2017: ela disse a ele ter 37 anos, mesma idade citada em suas redes sociais. Como sua matrícula na Unicamp é de 1983, segundo a reportagem, seria impossível ela ter nascido em 1980.

A Folha de S.Paulo está revisando todas as demais informações citadas em seu currículo e na reportagem publicada pelo jornal paulistano.

Em nota, a Unicamp confirmou que Joana fez graduação, mestrado e doutorado na instituição. As datas de ingresso e conclusão são as mesmas disponíveis na plataforma Lattes da pesquisadora: 1983-1986 (graduação); 1987-1990 (mestrado) e 1989-1994 (doutorado).

A Unicamp informou ainda que Félix já não tem vínculos com a instituição e que não divulga a idade com a qual ela entrou na graduação por esta ser “uma informação pessoal do aluno”.

No mestrado, ela estudou a composição ácida da querosene de aviação. No doutorado, começou a desenvolver as pesquisas sobre reaproveitamento do couro e uso alternativo da pele de outros animais, que a tornariam famosa no futuro.

Félix diz ser filha de uma empregada doméstica e de um funcionário de curtume. Relata ter sofrido discriminação racial, e acusou a reportagem que revelou a inexistência do pós-doutorado de ser motivada por racismo.

Em entrevistas a diferentes veículos, incluindo a Folha, ela afirmou que as mortes de uma irmã e do pai no intervalo de pouco mais de um mês a obrigaram a voltar à terra natal, onde prestou concurso para professora do curso técnico em curtimento de uma escola técnica agrícola, onde está até hoje. A volta teria ocorrido após a conclusão do pós-doutorado na universidade norte-americana.

Após a publicação na terça-feira (14) da reportagem do Estado, ela mudou a versão e afirmou que não concluiu a pesquisa.

O pós-doutorado é geralmente uma atividade de estágio ou pesquisa realizada dentro de uma universidade para quem já é doutor, mas não é um título para o qual se atribui diploma. Contudo, a reportagem do Estado reproduz um diploma supostamente encaminhado pela professora ao repórter, que afirma ter sido considerado falso por Harvard. A universidade não emite documentos do tipo para pós-doutores.

A citação do pós-doc constava no currículo Lattes da docente até a madrugada desta quarta-feira (15). A plataforma, amplamente usada por acadêmicos e empregadores, dizia que ela fez pós-doutorado em Harvard entre 1997 e 1999, com especialidade em química orgânica -reaproveitamento de resíduos de couros (um dos pilares da economia de Franca é a indústria coureiro-calçadista) e transformação de lixo doméstico em fertilizante.

Durante a madrugada, porém, a professora alterou e inseriu a informação de que tem pós-doc interrompido em Harvard em 1998.

Mas a falsa atividade foi usada em publicações feitas pela professora em redes sociais. Numa delas, agradece uma homenagem e tem sua foto ao lado da frase “Química, PhD em Harvard e soma mais de 80 prêmios na carreira”. Em outra, abaixo de seu nome aparece a frase “PhD em química pela Universidade de Harvard”.

O pós-doc e o ingresso na universidade aos 14 anos também foram citados em entrevistas e em evento no Palácio dos Bandeirantes, no qual ela aparece ao lado do ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), que diz: “[Recebemos] A professora Joana Félix, que é graduada pela Unicamp. Tem mestrado, doutorado, pós graduação em Harvard, nos Estados Unidos, e tem feito um belíssimo trabalho”.

A professora, que leciona em uma escola técnica estadual do Instituto Paula Souza e diz ter orientado mais de 30 anos, também cita em entrevistas 15 patentes em seu nome.

Na madrugada desta quarta (15), Félix confirmou publicamente não ter pós-doutorado concluído e disse que não foi aluna efetiva de Harvard, “porque o trabalho foi desenvolvido a distância” -algo impossível no caso de uma atividade de pós-doc.
“Tudo isso a partir da divulgação do filme […] Tudo que foi publicado já está sendo apurado por um advogado ligado ao movimento negro brasileiro, porque tenho certeza que ainda estão achando que os negros(as) ainda têm que viver na senzala, ou seja, estão achando que os negro(as) não podem estudar, não podem ser doutores, não podem desenvolver pesquisa de ponta… Tudo isso em pleno século 21”, escreveu em rede social.

A docente se desculpa, mas afirma que seu sucesso é tido como não natural -o fato de os negros serem livres para estudar, serem doutores e desenvolver pesquisas “incomoda muita gente”, escreve.

Em outra publicação, na sequência, escreve: “Peço desculpas por tudo que está ocorrendo. As publicações estão sendo analisadas por um advogado e prometo respostas em breve”.

CINEMA
Antes do surgimento do caso, a história de vida da professora era estudada para virar um filme com a atriz Taís Araujo, 40, como produtora associada.
Araújo, que abriu mão do papel de Félix após protestos por interpretar uma mulher de pele mais escura que a sua, afirmou, por meio de sua assessoria, ter sido surpreendida com a notícia envolvendo Harvard.

O diretor do longa, Alê Braga, contou que a atriz e ele querem ouvir a versão da professora para tomarem uma decisão sobre a continuidade do projeto.
“Ainda é muito prematuro falar. Não tivemos gastos oficiais com o filme, tirando a nossa dedicação pessoal. Com isso, não saímos contratando pesquisadores, não fizemos essa pesquisa mais fina. Se ela é ou não formada em Harvard, estávamos confiando até o momento no currículo Lattes dela, que é público, assim como nas informações de prêmios que ela ganhou. Mas estamos esperando ouvir a versão dela para a partir daí a gente poder pensar o que acontece de agora em diante”, disse Braga à Folha.

O diretor contou que conhece Joana desde 2016 e a ideia do filme era contar a história de superação dela.

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