Paulo Saldaña, da Folhapress
Em 2009, no meio do otimista segundo mandato do presidente Lula (PT), 4,1 milhões de candidatos haviam se inscrito para a primeira edição do novo Enem: a partir dali, a nota do exame criado em 1998 para avaliar o ensino médio valeria como vestibular unificado para universidades federais.
Mas tinha um furto no meio caminho. Em 1º de outubro daquele ano, a dois dias do início das provas, o Enem vazou e a aplicação foi cancelada.
Um funcionário de uma empresa de segurança que trabalhava na gráfica que imprimia as provas furtou uma cópia e tentou vendê-la ao jornal O Estado de S. Paulo. A veracidade do material foi confirmada e o então ministro da Educação Fernando Haddad cancelou o Enem.
Uma década depois, ninguém foi preso por causa disso. Quatro envolvidos no vazamento e na tentativa de vender o material foram condenados em 2011 pela Justiça Federal. A defesa dos acusados ingressaram com recurso.
Também o Ministério Público Federal recorreu ao considerar as penas, de 2 anos a 5 anos, muito brandas em face do estrago do episódio.
Na época, o prejuízo calculado pela Procuradoria Federal foi de R$ 45 milhões, cálculo que incluiu a aplicação às pressas ainda naquele ano (o valor equivale a R$ 78 milhões com atualização da inflação).
O processo segue no TRF (Tribunal Regional Federal) da 3º Região, mas a ação está sob sigilo. Os motivos do segredo também são sigilosos, conforme conta a jornalista Renata Cafardo no livro "O roubo do Enem" (Ed. Record). Foi ela quem recebeu a ligação com a oferta da prova.
O material havia sido levado de dentro da gráfica Plural, parceria do Grupo Folha com a Quad Graphics. A empresa não foi responsabilizada judicialmente pelo ocorrido.
O episódio causou prejuízos aos cofres públicos, transtorno a estudantes e a instituições que aguardavam a nota para preencher as vagas.
Foi também um desgaste político para o governo, embora tenha imposto a diligência que cerca a realização do exame até hoje.
O Inep passou a incrementar os protocolos de segurança, o que também ampliou os gastos. O exame tem um custo estimado para este ano de R$ 537 milhões e conta com 31,7 mil pessoas envolvidas apenas na logística –transporte, segurança e distribuição dos malotes.
Embora de menor dimensão, o Enem acumulou outros erros, principalmente nas duas edições seguintes. Em 2010, uma falha na impressão prejudicou vários candidatos, e uma nova prova foi realizada para esse grupo.
Um ano depois o exame trouxe 14 questões repetidas de uma aplicação recente de pré-teste em uma escola de Fortaleza.
O pré-teste de questões é uma das etapas do modelo de elaboração da prova, iniciado em 2009, e que permite diferentes exames com o mesmo grau de dificuldade.
Mas, em seus 21 anos, o Enem resistiu e se consolidou com o passar dos anos como vestibular para praticamente todas as universidades federais do país.
A USP, por exemplo, também seleciona alunos a partir da nota no exame e 41 universidades portuguesas também o aceitam.
Após o vazamento, o governo contratou a gráfica RR Donnelley para a reaplicação ainda em 2009. A empresa se manteve à frente dos trabalhos desde então. No período, houve apenas duas licitações, em 2010 e 2016, e a empresa saiu vencedora e recebeu o contrato.
No ano que o vazamento completa dez anos, porém, a gráfica anunciou falência e a segunda colocada no último certame, a Valid, assumiu os trabalhos por decisão do governo Jair Bolsonaro (PSL).
O TCU (Tribunal de Contas da União) ainda apura se houve um suposto conluio entre as duas empresas.