Joelmir Tavares, FOLHAPRESS
Convocações de atos de rua em defesa da democracia e contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) -que são controversas por ocorrerem no meio de uma pandemia- ganharam impulso nesta terça-feira (2), ao mesmo tempo em que iniciativas suprapartidárias priorizam adesões virtuais à causa.
Idealizadores de dois manifestos recém-criados, o Estamos Juntos (inicialmente assinado por artistas e intelectuais) e o Basta! (endossado por advogados e juristas), são contrários, por ora, às aglomerações, desaconselhadas por facilitarem a propagação do coronavírus.
Os novos protestos, marcados em várias capitais e cidades de porte médio do país, estão sendo chamados via redes sociais. As marchas são puxadas por integrantes de torcidas organizadas, inspirados no ato pró-democracia do último domingo (31) na avenida Paulista, que acabou em confronto com a Polícia Militar.
Mas outros movimentos estão se somando à onda, como a Frente Povo sem Medo, liderada pelo ex-presidenciável Guilherme Boulos (PSOL). O grupo decidiu se engajar na mobilização prevista para o próximo domingo (7), às 14h, no Masp, batizada de Ato Antifascista e Antirracista.
O evento, como indica o nome, vai incorporar o combate ao racismo, ecoando as manifestações que eclodiram nos EUA e se espalharam por outros países após a morte de um homem negro, George Floyd, que teve o pescoço prensado por um policial branco.
"Não é possível lutar por democracia sem combater o fascismo, o racismo e as opressões", diz a descrição da página criada no Facebook para divulgar o protesto na Paulista. Até esta terça-feira, estavam registradas mais de 11 mil confirmações de presença.
Os interessados em ir são orientados a manter uma distância de 1,5 metro uns dos outros durante a concentração, usar máscara e levar álcool em gel. Às pessoas que pertencem a grupos de risco da Covid-19 é sugerido que "apoiem o ato das suas casas".
Também circulam na rede convites para protestos em cidades como Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Goiânia. Em Curitiba, manifestantes se reuniram na noite de segunda pela igualdade racial –a passeata terminou com depredação e intervenção da polícia.
Como não há lideranças únicas e grupos avulsos ainda podem se juntar às marchas, a dimensão delas é incerta até mesmo para quem está envolvido no tema. Falta clareza sobre a participação, a exemplo do que ocorreu em junho de 2013, de gente sem relação com partidos ou movimentos sociais.
São ouvidos também relatos de pessoas que temem violência e se sentem inseguras de entrar em uma multidão no momento em que o país ultrapassa a marca de 31 mil mortes por Covid-19.
Os atos anti-Bolsonaro que começam a pipocar nas ruas têm sido vistos como uma reação, ainda que tardia, à sequência de manifestações em apoio ao governo, mantidas mesmo após a chegada do vírus. Os eventos em Brasília têm contado há semanas com a presença do próprio Bolsonaro.
"Não fosse o contexto pandêmico, este país certamente já estaria pegando fogo", diz o cientista político Humberto Dantas, ligado ao think tank CLP - Liderança Pública. Para analistas e membros dos movimentos, a provável mudança de ares é resultado de ações surgidas em várias frentes.
Um dos marcos da recente insurgência contra a escalada autoritária foi a publicação, no fim de semana, dos manifestos Estamos Juntos e Basta! –o primeiro já passou de 259 mil assinaturas; o segundo alcançou 30 mil.
As coalizões conseguiram unir, em torno da defesa da democracia, cidadãos de várias correntes ideológicas e até adversários políticos, levando a uma comparação com o clima das Diretas Já, em 1984.
Na mesma toada, a campanha Somos 70% viralizou em redes sociais, com uma referência ao apoio de cerca de 30% a Bolsonaro registrado em pesquisas do Datafolha e outros institutos.
Nenhuma dessas organizações, contudo, falou até agora em promover manifestações presenciais, por respeito à recomendação médica de distanciamento social durante a pandemia. O Estamos Juntos, por exemplo, planeja fazer uma live (transmissão ao vivo) com artistas que endossaram o documento.
"Não são formas contraditórias [de protesto], são complementares", diz Boulos, que assinou o manifesto suprapartidário, mas também é um dos que chamam o povo para a rua. "Toda iniciativa é importante: das articulações, dos movimentos sociais, dos partidos. Espero que seja só o início", completa.
"Se só um lado se manifesta, dá uma impressão falsa de que eles são maioria, de que a rua é deles", continua o ex-presidenciável. "A maioria social, formada pelos insatisfeitos com o que Bolsonaro faz com a nossa democracia e a forma como lida com a pandemia, precisa também se expressar em público."
Boulos afirma que haverá distribuição de máscaras e de álcool em gel no domingo e que espera um clima pacífico. "Não nos interessa nenhum conflito."
Grupos contrários ao presidente chegaram a ensaiar um levante em março, mas foram impedidos pelo coronavírus. A ideia era aproveitar datas como o Dia Internacional da Mulher e os dois anos do assassinato da vereadora Marielle Franco para promover atos em série, no que seria chamado de "março de luta".
Desta vez, o que está sendo considerado o estopim foi a inédita união das torcidas de times rivais (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo). Um dos fundadores da Gaviões da Fiel disse que a intenção era "riscar o primeiro fósforo" e acordar outros movimentos e partidos.
Após o ato do último domingo terminar em confusão em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) anunciou que protestos contrários a Bolsonaro e favoráveis não poderão mais acontecer no mesmo local e ao mesmo tempo. O confronto com a PM ocorreu depois que entusiastas do presidente e ativistas antifascismo entraram em conflito.
Integrantes de diferentes torcidas organizadas dos quatro grandes clubes estaduais confirmaram que realizarão um novo ato no próximo domingo, na capital paulista.
Os presidentes da Gaviões e da Mancha Alviverde, porém, disseram que as entidades não participam das convocações nem têm responsabilidade sobre elas, que são promovidas por associados.