Igor Gielow, da Folhapress
O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho presidencial responsável pela estratégia digital do pai, atacou o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) em uma postagem no Twitter nesta sexta (3). Insinuou que ele conspira para derrubar seu pai.
Com isso, Carlos incendeia uma situação bastante tensa dentro da ala militar do governo, que vem tentando contornar a sucessão de conflitos entre Bolsonaro, governadores e seu próprio ministro da Saúde na gestão da crise do coronavírus.
O vereador reproduziu uma postagem do Flávio Dino (PCdoB) na qual o governador do Maranhão relatava uma reunião virtual do Conselho da Amazônia com Mourão, ocorrida com todos os chefes estaduais da região na quinta (2).
Dino, adversário de Bolsonaro, disse: "Tivemos uma reunião com diálogo técnico, respeitoso, sensato. Claro que Mourão não é do meu campo ideológico. Mas, se Bolsonaro entregar o governo para ele, o Brasil chegará em 2022 em melhores condições".
Já Carlos comentou: "O que leva o vice-presidente da República se reunir com o maior opositor socialista do governo, que se mostra diariamente com atitudes totalmente na contramão de seu presidente?".
As primeiras reações entre políticos e militares variaram entre a descrença e a certeza de que a escalada de Carlos era previsível por seu temperamento, dado o adensamento dos rumores de que Bolsonaro poderia renunciar como uma saída para as dificuldades de governança de seu governo no combate à pandemia.
O próprio presidente negou a hipótese, de resto sugerida antes por Dino e outros políticos de esquerda no começo da semana. Mas a questão é Mourão.
Desde a campanha eleitoral, quando o general da reserva obteve a vaga de vice Bolsonaro quase acidentalmente, já que o também general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) tivera um problema partidário, Mourão tem uma relação atribulada com o que chama de "os meninos".
São os três filhos políticos do presidente, dos quais Carlos é o mais carbonário em redes sociais. Eles já haviam trocado farpas antes, mas o momento é outro.
Isolado politicamente devido à sua insistência em primeiro minimizar a Covid-19 e, depois, de sugerir estratégias na contramão do que se recomenda internacionalmente e governadores de estado estão aplicando no Brasil, Bolsonaro procurou refúgio entre os militares.
Pediu apoio direto ao ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, que acabou publicando uma postagem simpática à sua "coragem" na crise. Mais importante, aceitou modular o tom de confronto num pronunciamento em rede nacional na terça (31).
Ao mesmo tempo, instalado no Palácio do Planalto, Carlos manteve a tática agressiva no manejo das redes do pai. No dia seguinte ao pronunciamento, Bolsonaro já estava a atacar governadores –até com uma fake news sobre desabastecimento em Minas, pela qual se desculpou.
Como diz um general da ativa, os fardados do Planalto já não sabem como lidar com a instabilidade do presidente. O chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, assumiu a linha de frente de comunicação e coordenação da crise, num movimento duplo de Bolsonaro.
Primeiro, ceder poder à ala militar e, segundo, isolar Luiz Henrique Mandetta, o ministro da Saúde cuja avaliação do trabalho é muito melhor entre a população do que a do presidente, segundo o Datafolha.
Na prática, os ministros têm tentado tocar a administração dos aspectos práticos do combate à pandemia e ignorar Bolsonaro. Muitos já se alinharam ao colega da saúde. A frase de Mandetta ao ouvir a enésima farpa do presidente contra si, numa entrevista na quinta, resumia: "Quem tem mandato, fala; quem não tem, como eu, trabalha".
Ocorre que num sistema presidencial centralizado como o brasileiro, arranjo é bastante frágil, não menos porque Bolsonaro não é considerado "controlável" pelos seus auxiliares. Carlos, ao atacar Mourão e tentar associar uma reunião usual de trabalho com vários governadores a uma conspiração, expõe uma estratégia algo desesperada.
Antes da crise, a relação de Bolsonaro com o Congresso já havia se tornado inviável pela disputa sobre o manejo do orçamento, o que só piorou quando o presidente participou de ato sugerindo o fechamento do Legislativo e do Judiciário.
O Supremo Tribunal Federal também fez chegar a Bolsonaro a avaliação de que medidas exageradas na condução da crise não terão guarida legal, expondo ainda mais o isolamento presidencial.
Mourão não é o líder da ala militar no Planalto, mas é o único indemissível. Isso lhe garante uma ascendência que não tinha quando era um general de quatro estrelas no Alto Comando do Exército.
O nome mais forte do setor fardado no governo é o general da reserva Fernando Azevedo, ministro da Defesa, que faz a ponte com a ativa das Forças e também com o Judiciário –trabalhou com o presidente do Supremo, Dias Toffoli.
Toda e qualquer continuidade da crise, acirrada nesta sexta por Carlos, passará pelo julgamento de Azevedo.